A Operação Compliance Zero, deflagrada nesta terça-feira (18/11/2025) pela Polícia Federal com apoio do Ministério Público Federal e supervisão decisiva do Banco Central, desvelou um esquema de R$ 12,2 bilhões em carteiras de crédito inexistentes, supostamente fabricadas pelo Banco Master e revendidas ao Banco de Brasília (BRB). A investigação levou à prisão do banqueiro Daniel Vorcaro, à liquidação extrajudicial do Master e ao afastamento da cúpula do BRB, revelando implicações políticas e institucionais de grande alcance.
A construção da fraude: documentos fabricados, carteiras inexistentes e a engenharia contábil do Master
A apuração concluiu que as carteiras de crédito consignado supostamente vendidas pelo Master ao BRB jamais existiram. Para simular lastro financeiro bilionário, a instituição produziu documentos falsificados com datas retroativas de 2024, embora os certificados digitais utilizados nas assinaturas só tenham sido emitidos em abril e maio de 2025, justamente no período em que o Banco Central pediu explicações formais.
A decisão judicial que autorizou a operação descreve que o Master teria se associado, de forma clandestina, a uma Sociedade de Crédito Direto, com o objetivo de inflar artificialmente seu patrimônio por meio da venda de ativos fictícios. A manobra permitiu que R$ 12,2 bilhões fossem transferidos do BRB ao Master antes mesmo da formalização da intenção de compra do banco público.
As carteiras falsas usavam dados de associações vinculadas ao sócio de Vorcaro, Augusto Lima, outro alvo da PF. A documentação simulava centenas de milhares de contratos de consignado, cuja existência não pôde ser comprovada nem pelos sistemas internos nem pelo cruzamento de bases federais.
A atuação do Banco Central: veto à compra, alerta ao MPF e liquidação extrajudicial
O Banco Central teve papel central no desmonte do esquema. Após avaliar a operação proposta pelo BRB para aquisição do Master, a autoridade monetária:
- VETOU a compra devido ao risco de “contaminação” dos ativos do BRB pelos chamados “ativos podres” do Master.
- COMUNICOU ao MPF e à PF os indícios de fraude ao detectar inconsistências nos documentos enviados.
- ORDENOU que o BRB revertesse as operações de compra de carteiras para recompor liquidez e corrigir o balanço.
- DECRETOU a liquidação extrajudicial do Banco Master e de todos os seus braços operacionais, exceto o Master Múltiplo, colocado em regime de administração especial temporária.
A liquidação foi proposta pelo diretor de Fiscalização, Ailton Aquino, e aprovada por unanimidade pela diretoria colegiada presidida por Gabriel Galípolo. A medida ocorre menos de 24 horas após o anúncio de venda do Master ao grupo Fictor — operação considerada inconsistente e vista pelo BC como “narrativa de emergência” montada para tentar evitar a liquidação.
Prisão de Daniel Vorcaro: tentativa de fuga, monitoramento da PF e bastidores
Na noite de segunda-feira (17/11), véspera da operação, a PF identificou que Daniel Vorcaro se preparava para embarcar em um jatinho privado rumo a Dubai, onde assinaria, segundo sua defesa, documentos referentes à venda do banco. Investigadores consideraram haver risco concreto de fuga após possível vazamento do mandado de prisão.
A Polícia Federal antecipou a ação, abordando o empresário às 22h, no Aeroporto de Guarulhos. Ele foi detido e levado à Superintendência da PF em São Paulo. Seu sócio, Augusto Lima, também foi preso horas depois.
Foram apreendidos carros de luxo, obras de arte, relógios e aproximadamente R$ 1,6 milhão em espécie, além do bloqueio de contas totalizando R$ 12,2 bilhões.
O papel do BRB: afastamentos, sigilos, viagens ao exterior e contradições institucionais
A Justiça Federal determinou o afastamento por 60 dias do presidente do BRB, Paulo Henrique Costa, e do diretor financeiro, Dario Oswaldo Garcia Júnior. Costa estava em viagem aos Estados Unidos e foi orientado a retornar ao Brasil.
O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, indicou o superintendente da Caixa, Celso Eloi de Souza Cavalhero, para assumir interinamente a presidência do banco estatal.
As reportagens já haviam apontado que o BRB manteve sigilo sobre todos os documentos relativos às negociações com o Master, alegando risco competitivo. A estratégia reforça suspeitas de que a operação foi conduzida sem transparência e com baixa aderência às normas de governança exigidas para bancos públicos.
A PF analisa ainda por que, mesmo após o veto do Banco Central, o BRB continuou transferindo recursos ao Master.
Conexões políticas de Daniel Vorcaro: um mapa da influência nos Três Poderes
O avanço das diligências revelou a extensa rede de relações políticas e empresariais do dono do Master, incluindo:
- Contratação do escritório de Viviane Barci de Moraes, esposa do ministro Alexandre de Moraes, com participação de dois filhos do magistrado.
- Consultorias prestadas por Michel Temer ao banqueiro.
- Participação de Ricardo Lewandowski em comitê consultivo estratégico do Master após deixar o STF.
- Trânsito com líderes de peso do Congresso, como Davi Alcolumbre e Ciro Nogueira.
- Laços estreitos de seu sócio Augusto Lima com Jaques Wagner, líder do governo no Senado.
Na esfera estadual, Vorcaro expandiu operações do Master a partir da Bahia, com o Credcesta, cartão consignado voltado a servidores públicos, cujo modelo garantiu crescimento acelerado ao banco.
As relações políticas tornaram a operação especialmente sensível, despertando preocupação nos órgãos de controle sobre possível interferência indevida.
Fundos suspeitos e o futebol: os R$ 300 milhões na SAF do Atlético-MG
A PF investiga a utilização de estruturas financeiras complexas e fundos sobrepostos (“fundo sobre fundo”), com características semelhantes às analisadas em operações de lavagem de dinheiro, especialmente aquelas associadas ao crime organizado.
O veículo usado por Vorcaro — o Galo Forte FIP — recebeu R$ 300 milhões oriundos de fundos administrados pela Reag Investimentos, cuja cadeia de controle inclui entidades citadas em investigações do MP-SP.
Embora não haja, até o momento, indícios contra demais investidores da SAF do Atlético-MG, as transações reforçam o caráter opaco das operações de Vorcaro.
Fictor: a holding brasileira que lidera a compra do Banco Master com aporte de R$ 3 bilhões
O Grupo Fictor, que acertou a compra do Banco Master em parceria com investidores dos Emirados Árabes Unidos, é uma holding brasileira fundada em 2007 e comandada por Rafael Góis. Inicialmente criada como uma startup de tecnologia, a empresa tornou-se, a partir de 2020, uma gestora de investimentos com foco em setores estratégicos como alimentos, agronegócio, finanças e infraestrutura. Com sedes em São Paulo, Miami e Lisboa, o grupo ampliou sua presença por meio de dez negócios distintos.
A expansão da Fictor ganhou força no agronegócio, especialmente na comercialização de commodities, o que gerou capital para um agressivo ciclo de fusões e aquisições. A companhia consolidou marcas na cadeia de proteína animal e diversificou operações ao criar unidades voltadas para energia solar, geração distribuída, logística, serviços financeiros e meios de pagamento. Em 2024, realizou um IPO reverso ao adquirir a Atom Participações, transformando-a na Fictor Alimentos, hoje avaliada em R$ 142 milhões na B3.
Em 2025, a FictorPay enfrentou um ataque cibernético que desviou R$ 26 milhões, embora as apurações tenham indicado falha em prestadores terceirizados. Ainda assim, a empresa lançou um cartão corporativo com bandeira American Express e concluiu novas aquisições no setor de alimentos, incluindo a Unidade Produtiva Isolada da Mellore em Betim. A Aquisição do Banco Master ficou comprometida com a investigação federal e liquidação pelo BC.
Maior resgate da história do FGC após liquidação do Banco Master
A liquidação do Banco Master, decretada pelo Banco Central em 18 de novembro de 2025, desencadeia o maior processo de ressarcimento já enfrentado pelo Fundo Garantidor de Créditos. A instituição tinha entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões em depósitos, cifra que supera largamente o antigo recorde do caso Bamerindus, de 1997. Considerando o limite de cobertura de R$ 250 mil por investidor, o FGC inicia agora o maior esforço operacional de sua história recente.
A liquidação ocorre após meses de tensão, mesmo com reforços emergenciais concedidos ao Master ao longo do ano — entre eles, um empréstimo de R$ 4 bilhões do próprio FGC em maio e sucessivos aumentos de capital aprovados pelo Banco Central em outubro. O banco, que se financiava principalmente pela venda de CDBs com remuneração acima da média de mercado, enfrentou dificuldades para honrar compromissos de curto prazo. Apesar da dimensão do caso, o FGC dispõe de R$ 121,1 bilhões em liquidez, montante considerado suficiente para absorver o impacto.
O processo de indenização aos depositantes seguirá o protocolo tradicional: o liquidante enviará ao FGC a relação de credores, etapa que geralmente leva cerca de 30 dias. Depois disso, os beneficiários deverão solicitar o pagamento por meio do aplicativo ou do site do fundo. O ressarcimento não é automático, exige manifestação formal do credor e, uma vez concluído o cadastro e verificados os dados, o pagamento é efetuado em até 48 horas direto na conta indicada. O procedimento representa um dos maiores testes de eficiência institucional desde a criação do FGC.
Impacto sistêmico e riscos ao sistema financeiro nacional
A liquidação do Master é o desfecho de um risco que vinha sendo monitorado desde 2024. Para o Banco Central, a insolvência era irreversível e representava:
- risco de contaminação do BRB, banco público com forte participação regional;
- risco sistêmico pela movimentação de R$ 12 bilhões sem lastro;
- risco à credibilidade do mercado de crédito consignado, setor central para servidores públicos;
- risco político, dada a extensa rede de relações de Vorcaro com agentes do Executivo e Legislativo.
O FGC deverá arcar com parte das perdas, até o limite de R$ 250 mil por CPF ou CNPJ.
Descontrole regulatório e captura institucional
A Operação Compliance Zero representa um dos casos mais graves de descontrole regulatório e captura institucional desde a crise dos bancos médios nos anos 1990. A engenharia financeira construída pelo Banco Master não apenas violou parâmetros básicos de governança, mas expôs fragilidades estruturais do setor de crédito consignado e do relacionamento entre bancos públicos e grupos privados com alta influência política.
A atuação firme do Banco Central — especialmente após a autonomia institucional — foi fundamental para impedir que o BRB absorvesse um rombo bilionário, preservando recursos públicos e evitando um efeito dominó. Os vínculos pessoais e políticos de Daniel Vorcaro evidenciam como anomalias sistêmicas podem ser amplificadas quando agentes econômicos adquirem acesso privilegiado a círculos de poder.
Ainda permanecem questões cruciais: como o BRB autorizou transferências tão vultosas sem garantias adequadas? Houve participação ativa de dirigentes ou mero erro de supervisão? E qual a extensão real da rede de influência do Master dentro do setor público?
O caso exige apuração profunda, responsabilidade institucional e fortalecimento de mecanismos de supervisão, evitando que crises de natureza política contaminem o sistema financeiro.
*Com informações da Polícia Federal, Veja, UOL, Folha de S.Paulo, Metrópoles e Estadão.
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