O posicionamento público do ministro Gilmar Mendes, ao declarar “absoluta confiança” no colega Alexandre de Moraes no contexto do caso Banco Master, e ao rejeitar a necessidade de um código de conduta para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), aprofunda uma crise institucional marcada por suspeitas de corrupção, potenciais conflitos de interesse e questionamentos éticos. As declarações foram feitas na segunda-feira (22/12/2025), em meio à repercussão de reportagens jornalísticas que atribuem a Moraes contatos reiterados com o presidente do Banco Central para tratar da situação de um banco privado posteriormente liquidado por fraudes.
Segundo o noticiário, as suspeitas envolvem a atuação informal do ministro em favor do Banco Master, controlado por Daniel Vorcaro, e a existência de contrato milionário entre a instituição financeira e o escritório de advocacia da esposa do magistrado. Embora não haja, até o momento, decisão judicial que comprove irregularidades, o conjunto de indícios relatados por jornalistas e fontes institucionais desencadeou uma crise de confiança que extrapola o caso concreto e alcança o modelo de autorregulação ética do STF.
A resposta de Gilmar Mendes — ao minimizar a gravidade das suspeitas e desqualificar a necessidade de regras adicionais de conduta — desloca o debate do campo jurídico para o campo institucional e moral, onde a aparência de imparcialidade é tão relevante quanto a legalidade estrita dos atos.
Suspeitas de corrupção e conflitos de interesse
As reportagens que deram origem à controvérsia relatam que Alexandre de Moraes teria procurado o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, em múltiplas ocasiões, para tratar da tentativa de venda do Banco Master ao BRB. O negócio acabou barrado após a identificação de fraudes bilionárias, culminando na liquidação extrajudicial do banco e na prisão de seu controlador e executivos.
O ponto central da controvérsia ética não reside apenas nos contatos institucionais — que, isoladamente, poderiam ser enquadrados como interlocução entre autoridades —, mas na convergência de fatores:
- a defesa informal de interesses de um banco privado;
- a existência de contrato de alto valor entre o banco e o escritório da esposa do ministro;
- a ausência de registros formais de atuação desse escritório junto aos órgãos que constariam como objeto do contrato;
- e a posterior avocação do caso ao STF, com decretação de sigilo.
Esse conjunto alimenta a percepção de conflito de interesses potencial, situação que, em democracias consolidadas, costuma exigir afastamento cautelar, transparência ativa e escrutínio externo — mesmo quando não há prova imediata de ilícito penal.
A defesa de Gilmar Mendes e a lógica da autoblindagem
Ao afirmar ter “absoluta confiança” em Moraes e classificar a investigação como prova de que “as instituições funcionam”, Gilmar Mendes adota uma postura de defesa corporativa explícita. O decano também relativizou o episódio envolvendo o ministro Dias Toffoli, relator do caso, que teria viajado no mesmo jatinho de um advogado ligado à defesa de investigado, tratando o encontro como social e inofensivo.
Do ponto de vista ético, a questão não é a existência de conversas privadas ou encontros fortuitos, mas a assimetria de poder entre ministros do STF e partes interessadas em processos sob sua jurisdição. A literatura sobre integridade pública é clara ao apontar que a aparência de impropriedade pode ser tão danosa quanto a impropriedade em si, pois corrói a confiança pública no sistema de justiça.
Ao normalizar essas interações, Gilmar Mendes reforça a percepção de que o STF opera sob uma lógica de autorregulação fechada, em que a confiança entre pares se sobrepõe à necessidade de prestação de contas à sociedade.
Rejeição ao código de conduta e fragilidade ética estrutural
A resistência do decano à proposta de código de conduta, defendida pelo presidente do STF, Edson Fachin, aprofunda o problema. Gilmar argumenta que a legislação brasileira — como a Loman e normas do CNJ — já regularia adequadamente o comportamento dos magistrados e que modelos estrangeiros, como o da Corte Constitucional alemã, não se ajustariam à “cultura” brasileira.
Esse argumento, porém, entra em choque com a realidade exposta pelo próprio caso Banco Master. Se as normas existentes fossem suficientes, não haveria tamanha controvérsia pública, nem necessidade recorrente de explicações defensivas por parte dos ministros. O que se observa é um vazio operacional: regras genéricas existem, mas faltam parâmetros claros, públicos e verificáveis sobre participação em eventos privados, relações com advogados e manifestações públicas em casos sensíveis.
A recusa em consolidar um código de conduta transmite a mensagem de que o STF resiste a qualquer mecanismo que limite sua discricionariedade social, mesmo diante de sucessivas crises de credibilidade.
Violação ética versus ilicitude penal
É central distinguir dois planos:
- ilicitude penal, que depende de prova robusta e devido processo legal;
- violação ética, que se configura quando a conduta compromete a confiança pública, ainda que não resulte em crime.
No caso em análise, as acusações ainda não foram julgadas. Contudo, a falta de transparência imediata, o silêncio prolongado sobre pontos objetivos — como a natureza e a execução do contrato do escritório da esposa do ministro — e a blindagem retórica interna agravam o dano institucional.
Em democracias maduras, a resposta padrão a situações dessa natureza envolve afastamento voluntário, auditorias independentes e ampla publicidade dos fatos. A reação observada no STF segue caminho inverso: minimização, desqualificação do debate ético e rejeição de reformas.
Credibilidade em risco e isolamento institucional
O episódio do Banco Master revela mais do que um possível caso individual: expõe um padrão de resistência do STF ao controle ético externo. Ao defender colegas de forma incondicional e rejeitar instrumentos modernos de governança judicial, a Corte reforça a percepção de autoproteção corporativa.
Essa postura tem custo elevado. Cada nova suspeita não esclarecida amplia a desconfiança social, alimenta discursos de ruptura institucional e fragiliza a autoridade moral do Supremo para arbitrar conflitos políticos e constitucionais. A credibilidade, diferentemente da legalidade formal, não se decreta — constrói-se com transparência, prudência e limites claros.
Se o STF insiste em tratar questionamentos éticos como “influências externas”, corre o risco de se isolar da sociedade que deveria servir, transformando crises pontuais em desgaste estrutural e duradouro.
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