A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou, nesta terça-feira (25/11/2025), por unanimidade, as decisões do ministro Alexandre de Moraes que determinaram a execução das penas impostas ao ex-presidente Jair Bolsonaro e a outros seis réus do chamado Núcleo 1 da trama golpista, responsável por articular a tentativa de reversão do resultado das eleições de 2022. Com o reconhecimento do trânsito em julgado, não há mais possibilidade de recursos com efeito modificativo das condenações.
O colegiado formou placar de 4 votos a 0 para manter as prisões e validar o início do cumprimento das penas. Além de Moraes, votaram os ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin e Cármen Lúcia. O ministro Luiz Fux, que havia votado anteriormente pela absolvição dos réus, deixou a Primeira Turma no mês passado e passou a integrar a Segunda Turma, não participando dessa deliberação final.
Na prática, a decisão consolida o entendimento firmado em setembro, quando a Primeira Turma condenou Bolsonaro e seus aliados pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. A partir do reconhecimento do trânsito em julgado, os mandados de prisão foram expedidos e passaram a ser cumpridos nas respectivas unidades da Polícia Federal e das Forças Armadas.
Penas aplicadas, locais de prisão e audiências de custódia
Com o fim da fase recursal, as penas dos condenados foram confirmadas e passaram a ser executadas de forma definitiva. As condenações ficaram assim definidas:
- Jair Bolsonaro – ex-presidente da República: 27 anos e três meses de prisão;
Local de prisão: Superintendência da Polícia Federal, em Brasília. - Walter Braga Netto – ex-ministro da Defesa e ex-chefe da Casa Civil: 26 anos;
Local de prisão: Vila Militar, no Rio de Janeiro. - Almir Garnier Santos – ex-comandante da Marinha: 24 anos;
Local de prisão: Estação Rádio da Marinha de Brasília (ERMB), na DF-001, em Santa Maria. - Anderson Torres – ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do DF: 24 anos;
Local de prisão: 19º Batalhão da Polícia Militar do DF, no Complexo Penitenciário da Papuda. - Augusto Heleno – ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI): 21 anos;
Local de prisão: Comando Militar do Planalto (CMP), em Brasília. - Paulo Sérgio Nogueira – ex-ministro da Defesa: 19 anos;
Local de prisão: Comando Militar do Planalto (CMP), em Brasília. - Alexandre Ramagem – ex-diretor da Abin e deputado federal (PL-RJ): 16 anos, um mês e 15 dias;
Situação: foragido em Miami, nos Estados Unidos; mandado de prisão incluído no BNMP.
O STF também confirmou que o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, cumpre pena de 2 anos em regime aberto, com benefícios decorrentes do acordo de delação premiada, após ter sido reconhecida a utilidade de seus depoimentos para esclarecimento da trama.
Moraes determinou ainda a realização de audiências de custódia por videoconferência, agendadas para esta quarta-feira (26), nos locais onde cada réu se encontra preso. As sessões, conduzidas por juízes auxiliares do ministro, têm como objetivo verificar as condições de prisão, o respeito às garantias legais e eventuais reclamações das defesas.
Defesa de Garnier descarta corte internacional e cogita revisão criminal
Um dos desdobramentos mais relevantes no campo da defesa é a estratégia adotada pelo almirante Almir Garnier Santos. Seu advogado, Demóstenes Torres, afirmou que o ex-comandante da Marinha não deve recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos, apesar de considerar que haveria tese viável para questionar a condenação.
Segundo o advogado, o principal obstáculo é financeiro. Recorrer ao sistema interamericano exige contratação de especialistas no exterior, elaboração de peças complexas e trâmite prolongado. Torres afirmou que, na prática, “quem tem dinheiro vai para a Corte Interamericana” e que não seria responsável “se aventurar” em uma demanda internacional sem a estrutura técnica e financeira adequada, mesmo avaliando que o caso teria potencial de discussão no plano dos direitos humanos.
Em vez de investir em uma ofensiva internacional, a defesa de Garnier cogita apresentar uma revisão criminal no futuro, instrumento previsto no Código de Processo Penal. A revisão só pode ser proposta após o fim da ação e dos recursos, e é cabível em três hipóteses centrais: quando surgirem novas provas, quando a sentença for contrária à lei ou à evidência dos autos ou quando tiver sido baseada em documentos ou depoimentos falsos. A avaliação da defesa é que o momento agora é de “esperar a poeira baixar”, evitando a apresentação imediata de pedidos que possam ser considerados manifestamente incabíveis pelo próprio STF.
Embargos infringentes, voto de Fux e limites da jurisprudência
No caso do almirante Garnier, a defesa apresentou embargos infringentes, recurso que busca reverter condenações não unânimes a partir de votos divergentes em favor da absolvição. O ex-comandante da Marinha recebeu um voto absolutório do ministro Luiz Fux na Primeira Turma, o que levou os advogados a sustentar a possibilidade do recurso.
O ministro Alexandre de Moraes, entretanto, não admitiu os embargos infringentes, seguindo a jurisprudência consolidada do STF no sentido de que esse tipo de recurso somente é cabível quando houver pelo menos dois votos divergentes em julgamentos de Turma. A defesa reconhecia o risco, mas argumentou que o precedente seria passível de revisão, destacando que entendimento mais rígido restringe o alcance do duplo grau de jurisdição e limita alternativas de revisão interna em casos penais complexos.
Além disso, a defesa de Garnier retomou a discussão sobre foro por prerrogativa de função, argumentando que o caso deveria ter sido processado na primeira instância, em vara criminal ligada ao TJDFT, e não no STF. Essa linha de argumentação se apoia em um critério de dupla vinculação: o foro especial só se justificaria quando o fato tivesse sido cometido no exercício do cargo e em razão direta das atribuições institucionais. Superado qualquer desses requisitos, a competência originária da Suprema Corte deixaria de se justificar.
A cartada de Braga Netto para tentar levar o caso ao plenário do STF
Paralelamente, a defesa do general Walter Braga Netto adotou uma estratégia distinta. Os advogados apresentaram embargos infringentes com o objetivo de levar o julgamento ao plenário do STF, ampliando o número de julgadores para dez ministros, uma vez que a vaga aberta com a aposentadoria de Luís Roberto Barroso ainda não foi preenchida.
A defesa sustenta que a condenação de Braga Netto, fixada em 26 anos de prisão, teria sido proferida “em contrariedade às provas dos autos” e em contexto de “cerceamento de defesa”. Os advogados alegam que, mesmo com limitações impostas na fase probatória, teriam conseguido demonstrar que o general não se envolveu em tramas golpistas e que o acórdão condenatório não teria enfrentado adequadamente esse ponto.
Para reforçar o pedido, os defensores citam a Ação Penal 863, relacionada ao ex-deputado Paulo Maluf, caso que consolidou o entendimento sobre o cabimento de embargos infringentes. Naquele julgamento, o Plenário formou maioria apertada (6 a 5) para estabelecer requisitos mais estritos, como a necessidade de número mínimo de votos divergentes. A defesa de Braga Netto alega que a exigência de dois votos absolutórios para Turmas, sem previsão expressa no regimento, restringe garantias processuais e dificulta o controle interno de decisões penais.
Apesar dessas teses, o cenário jurisprudencial atual não favorece a admissibilidade ampla dos embargos infringentes. Ao rejeitar novos embargos de declaração — voltados apenas a esclarecer eventuais omissões ou contradições —, Moraes também sinalizou que recursos com caráter protelatório não seriam admitidos e que a fase de discussão sobre mérito se encontra encerrada.
Perda de mandato, inelegibilidade e efeitos políticos de longo prazo
No campo político, as decisões desta terça-feira produziram efeitos imediatos. O ministro Alexandre de Moraes determinou que o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), fosse oficialmente comunicado sobre a perda do mandato do deputado Alexandre Ramagem, condenado a mais de 16 anos de prisão e considerado foragido, após ter sido visto em condomínio em Miami mesmo estando proibido de deixar o país.
Moraes também determinou que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fosse informado da condenação de Jair Bolsonaro a 27 anos e três meses de prisão, para fins de reconhecimento de sua inelegibilidade com base na Lei da Ficha Limpa. A norma prevê que condenados por decisão colegiada fiquem impedidos de disputar eleições por oito anos após o cumprimento da pena. Na prática, o ex-presidente fica inelegível até 2060, estendendo a restrição para além do período já fixado em outra condenação, que o havia tornado inelegível até 2030 por abuso de poder político e econômico no episódio da reunião com embaixadores, em 2022.
Esse conjunto de decisões reposiciona o tabuleiro eleitoral e encerra, do ponto de vista jurídico-eleitoral, qualquer esperança de Bolsonaro disputar novos pleitos. O impacto recai diretamente sobre a reorganização da direita e a busca por novas lideranças nacionais.
Perda de patente: STF aciona Justiça Militar e abre segundo julgamento
No campo castrense, Moraes determinou que o Superior Tribunal Militar (STM) e a Procuradoria-Geral da Justiça Militar (PGJM) fossem comunicados para decidir sobre a perda de posto e patente de Jair Bolsonaro — capitão da reserva do Exército — e dos generais Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira, Walter Braga Netto e do almirante Almir Garnier.
Trata-se de um segundo julgamento, no qual o STF não intervém. Caberá ao Ministério Público Militar apresentar representação por indignidade ou incompatibilidade com o oficialato, e ao plenário do STM, composto por 15 ministros, julgar se os condenados poderão permanecer nos quadros das Forças. É a primeira vez que o tribunal se verá diante de casos envolvendo generais de quatro estrelas, o que torna a decisão um precedente de grande peso institucional.
Se o STM decretar a perda de posto e patente, os militares deixam de receber soldo, perdem o vínculo com a Força e passam a ser tratados, na prática, como se estivessem em “morte ficta” para fins administrativos. Nesse cenário, a legislação atual prevê a transferência de proventos para cônjuges e dependentes, mas o governo enviou ao Congresso projeto para extinguir a pensão em casos de perda de patente, tema que adiciona uma camada de tensão entre Executivo, Forças Armadas e órgãos de controle.
Episódio da tornozeleira eletrônica e decisão sobre prisão preventiva
A situação de Bolsonaro foi agravada pelo episódio envolvendo a tornozeleira eletrônica, ocorrido no fim de semana que antecedeu a decisão de trânsito em julgado. O ex-presidente estava em prisão domiciliar no inquérito sobre o tarifaço dos Estados Unidos contra exportações brasileiras, quando tentou violar o equipamento com um ferro de solda, durante a madrugada.
Em audiência de custódia, Bolsonaro admitiu ter manipulado a tornozeleira e atribuiu o episódio a um quadro de “paranoia” associado ao uso intenso de medicamentos. A conduta foi interpretada pelo ministro Alexandre de Moraes como indício de risco de fuga, levando à decretação da prisão preventiva na Superintendência da Polícia Federal em Brasília, que posteriormente se converteu em cumprimento definitivo da pena, com o trânsito em julgado da condenação.
Aliados de Bolsonaro chegaram a procurar ministros do STF, em caráter reservado, para tentar reverter a prisão preventiva, atribuindo o episódio a fragilidade emocional, solidão e uso de remédios para dor e ansiedade. Segundo relatos, integrantes da Corte classificaram a situação como “bizarra”, e não sinalizaram qualquer recuo na decisão.
Repercussões políticas: Tarcísio, Zema e a disputa pela liderança da direita
Enquanto o processo avançava no STF, líderes políticos alinhados ao bolsonarismo se movimentaram para calibrar suas posições. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), articulou diretamente no Supremo no dia em que Bolsonaro foi preso preventivamente. Segundo relatos, Tarcísio conversou pelo menos com o ministro Gilmar Mendes, defendendo que o ex-presidente fosse mantido em prisão domiciliar e negando a intenção de fuga.
Tarcísio também pretende visitar Bolsonaro na PF em Brasília, após requerer inclusão no rol de visitantes da superintendência. Aliados afirmam que a pauta do encontro deve abordar tanto o estado de saúde do ex-presidente quanto o cenário eleitoral de 2026. Cotado como principal nome da direita para a disputa presidencial, Tarcísio, contudo, tem reafirmado publicamente a intenção de disputar a reeleição em São Paulo, mantendo-se em uma posição de “espera” até que haja definição clara sobre a estratégia do campo bolsonarista.
Outro ator relevante é o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), que classificou a tentativa de violação da tornozeleira como uma “situação extrema” ligada ao contexto vivido por Bolsonaro, mantendo o discurso de que o ex-presidente seria alvo de perseguição política. Zema também busca se posicionar como opção nacional à direita, o que aumenta a competição silenciosa no espaço antes ocupado quase exclusivamente por Bolsonaro.
Em bastidores, parlamentares aliados relatam que Tarcísio segue com os “pés em duas canoas”: preserva o caminho da reeleição, considerado “menos custoso” politicamente, enquanto monitora pesquisas nacionais e aguarda eventual aval direto de Bolsonaro para uma candidatura presidencial. A prisão definitiva do ex-presidente, somada às disputas internas entre seus filhos e aliados, tende a intensificar a disputa pela liderança da direita.
Medidas especiais na prisão de Bolsonaro
No plano administrativo, Moraes autorizou que Jair Bolsonaro receba alimentação especial na Superintendência da PF, em Brasília. Uma pessoa previamente cadastrada pela defesa poderá entregar a comida em horários fixados pela corporação, que será responsável por fiscalizar e registrar todos os itens recebidos.
A medida, embora pontual, revela a preocupação do STF em conciliar o cumprimento rigoroso da pena com condições específicas de saúde do ex-presidente, sem alterar o regime de encarceramento. A concessão ocorre após uma sequência de episódios envolvendo internações, exames médicos e pedidos de assistência especial por parte da defesa.
STF, Forças Armadas e reconfiguração da direita
A decisão do STF de encerrar o processo da trama golpista e executar imediatamente as penas de Bolsonaro e aliados marca o fim de um ciclo judicial e o início de um novo capítulo institucional. Do ponto de vista jurídico, a Corte reafirma sua posição de que tentativas de ruptura da ordem constitucional serão tratadas com máxima gravidade, utilizando todos os instrumentos previstos na legislação penal e eleitoral.
Entretanto, a forma como a jurisprudência restringe recursos como os embargos infringentes — exigindo número elevado de votos divergentes — também alimenta debates sobre amplitude de defesa em casos penais de alta repercussão. As estratégias de Braga Netto e Garnier, ao questionarem esses limites, apontam para um ponto de tensão permanente entre segurança jurídica, estabilidade institucional e garantias individuais.
No plano castrense, a possível perda de patentes de oficiais de quatro estrelas e de um ex-capitão que chegou à Presidência da República tem peso simbólico inédito. Ao acionar o STM e o Ministério Público Militar, o STF projeta o debate sobre responsabilidade de comando, disciplina e hierarquia para o interior da Justiça Militar, que será chamada a definir se a participação em trama golpista é compatível com o oficialato em forças armadas profissionais em regime democrático.
Politicamente, a inelegibilidade de Bolsonaro até 2060 e sua prisão definitiva deslocam o eixo da direita para novos polos de liderança, como Tarcísio de Freitas e Romeu Zema, que já se movimentam, ainda que de forma cautelosa. A disputa por herdar o eleitorado bolsonarista se soma à fragmentação interna e ao peso do legado judicial do ex-presidente, que continuará a influenciar o debate público e o comportamento de partidos, mesmo afastado formalmente das urnas.
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