Capítulo 103 do Caso Faroeste: Os reflexos da decisão do CNJ sobre o trâmite dos processos das terras da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto

Decisão do conselheiro do CNJ Richard Pae Kim tem reflexo sobre o trâmite processual de julgamento das terras da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto.
Decisão do conselheiro do CNJ Richard Pae Kim tem reflexo sobre o trâmite processual de julgamento das terras da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto.

O Capítulo 102 (CII) do Caso Faroeste narrou e apresentou a decisão do conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Richard Pae Kim, proferida em 22 de agosto de 2022, no processo nº 0007396-96.2016.2.00.0000, na qual afirma que os magistrados de primeiro e segundo grau do PJBA “são livres para decidirem segundo seu convencimento e as provas dos autos, não havendo que falar em observância à decisão ou ao entendimento do Conselho Nacional de Justiça”.

A sentença do conselheiro do CNJ foi proferida em relação ao conflito fundiário-jurídico envolvendo os cerca de 360 mil hectares de terras da antiga Fazenda São José, situadas em Formosa do Rio Preto, na região oeste da Bahia, no contexto do processo iniciado na década de 1980, que resultou na Ação de Reintegração de Posse de nº 0000157-61.1990.8.05.0081, cujo trâmite ocorre no Poder Judiciário Estadual da Bahia (PJBA), no qual são partes da disputa, como litigante, o empresário de Barreiras José Valter Dias e litigados, o Grupo Econômico dos Okamoto e sucessores e, terceiro interessado, o advogado Domingos Bispo e que permanece pendente de julgamento definitivo. 

O Jornal Grande Bahia (JGB) dá sequência ao relato com análise desenvolvida pelo jurista que acompanha o caso para o veículo de imprensa, na qual aborda as implicações processuais deste documento inédito e de que maneira influência sobre a fraude objetiva envolvendo as matrículas cartoriais de nº 726 e 727, utilizadas pelo Grupo Econômico dos Okamoto e sucessores.

Capítulo 103 do Caso Faroeste: Novos rumos no trâmite dos processos sobre terras da antiga Fazenda São José a partir da decisão do CNJ

A discussão sobre quem é o verdadeiro proprietário das terras da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto e qual é a matrícula correta que garante a propriedade da área é um debate jurídico que se alonga no Poder Judiciário Estadual da Bahia (PJBA).

Atualmente, três “núcleos” discutem a titularidade das terras da antiga Fazenda São José. O primeiro é José Valter Dias, que afirma ter adquirido as terras do inventário de Delfino Ribeiro, conforme a matrícula cartorial nº 1037. O segundo núcleo é composto pelos sucessores da família Okamoto, dentre as quais se insere a empresa Bom Jesus Agropecuária Ltda, que alega ter a propriedade baseada nas matrículas 726 e 727. Por fim, tem-se o núcleo composto por Domingos Bispo, que alega ser o verdadeiro sucessor de Suzano Ribeiro, sendo o verdadeiro titular da cadeira sucessória da matrícula nº 54.

Conforme narrativa do jurista, dos três núcleos que disputam as terras, apenas um deles tem certeza de que não pode ser o verdadeiro dono, pois porta um título fraudulento, com base em uma certidão de óbito falsa.

Na posse sobre parte das terras da antiga Fazenda São José, os sucessores dos Okamoto compraram um título de propriedade fundamentado em uma fraude legal, além de terem adquirido terras que eram objeto de litígio judicial, explica o jurista. 

As matrículas cartoriais de nº 726 e 727 têm origem em uma fraude processual feita por David Czertok e Albertoni de Lemos Bloisi. Cujo documento, nova certidão de óbito de Suzano Ribeiro de Souza, remete ao dia 15 de outubro de 1977 e foi requerido por “pessoa interessada”, ao Cartório de Registro Civil da Comarca de Corrente, no Piauí.

Na nova Certidão de Óbito consta que o falecimento de Suzano Ribeiro de Souza ocorreu em 14 de março de 1894, ou seja, mais de 4 anos depois do registro civil do primeiro óbito.

No falso documento consta, ainda que “o extinto não deixando testamento, deixando bens a arrolar, deixando uma filha de nome Joana Francisca Ribeiro”. Fato que suprime o conjunto de herdeiros do casal Ribeiro, quais sejam:

— Maria da Conceição Ribeiro, falecida em 1908, esposa de Suzano Ribeiro de Souza, morto em 1890;

— Antônia Ribeiro de Souza (à época, casada com Luiz Ribeiro de Souza)

— Raimundo Ribeiro de Souza, 18 anos;

— Joana Ribeiro de Souza, 17 anos;

— Maria Ribeiro de Souza, 8 anos; e

— Domingos Suzano Ribeiro, 6 anos.

Nos documentos usados pelos Okamoto consta que, após o falecimento de Suzano Ribeiro de Souza, a propriedade da Fazenda São José teria passado apenas para a viúva Maria da Conceição Ribeiro e as filhas do casal, Joana Ribeiro de Souza aria Ribeiro de Souza. Ainda, com o falecimento de Maria Ribeiro de Souza, em 1908, todos os bens teriam sido repassados para a “única filha”, Joana Ribeiro de Souza. Fato que exclui os demais legítimos herdeiros arrolados no inventário original, aberto à época da morte de Suzano Ribeiro de Souza, em 1890.

Ato contínuo, munidos da certidão de óbito falsificada 87 anos depois da morte de Suzano Ribeiro de Souza, na condição de cessionários, David Czertok e Albertoni de Lemos Bloisi deram entrada em um novo inventário dos bens do casal Ribeiro, cuja única filha herdeira seria Joana.

Neste sentido, eles teriam adquiridos as terras através de Cessão e Transferência de Direitos Hereditários dos supostos herdeiros de Joana Ribeiro de Souza e com este documento deram entrada no processo de inventário de Suzano Ribeiro de Souza e de Maria da Conceição Ribeiro, na Comarca de Santa Rita de Cássia.

Extrai-se, então, que mais de 87 anos depois do registro da morte de Suzano Ribeiro de Souza, foi dado início ao processo de inventário, tendo sido David Czertok o inventariante, ou seja, o responsável por arrolar e administrar os bens oriundos do espólio do casal Ribeiro de Souza.

Ocorre que a falsidade do atestado de óbito foi declarada por meio de decisão judicial transitada em julgada, proferida pelo Poder Judiciário Estadual do Piauí (PJEP). Então, não há mais como se questionar a decretação de fraude no atestado de óbito utilizado por David Czertok e Albertoni de Lemos Bloisi para gerar as fraudulentas matrículas cartoriais de nº 726 e 727.

O próprio Conselho Nacional de Justiça reconheceu a falsidade documental que deu origem à matrícula 726 e 727, mas definiu que a nulidade no processo de inventário aberto pelos grileiros apenas pode ser reconhecida por meio de decisão judicial.

Apesar de ter definido a necessidade de decisão judicial para declarar a falsidade da matrícula 726 e 727, o CNJ compreendia que as decisões que reconheciam a falsidade da matrícula violariam a decisão originária daquele órgão no pedido de providências.

Assim, por mais de uma vez, os juízes foram pessoalmente notificados pelo Conselho Nacional de Justiça a respeito de decisões proferidas no bojo de processos judiciais que eram favoráveis à José Valter Dias ou que reconheciam a fraude documental praticada nas matrículas 726 e 727, o que fazia com que as decisões fossem revistas e os julgadores se julgassem suspeitos. 

Ora, nenhum juiz íntegro quer correr o risco de responder a um Processo Administrativo Disciplinar. Nenhum juiz probo quer ter a imagem manchada perante o órgão de correição do próprio Poder ao que pertence. Ninguém que passa anos estudando e se dedicando para alcançar o cargo de juiz de direito quer vivenciar a mera possibilidade de perder a função e de ser afastado da judicatura.

Com isso, cada notificação do Conselho Nacional de Justiça fazia com que os juízes se afastassem do processo, fosse revendo decisões juridicamente corretas ou fosse evitando decidir, gerando um silencia sobre uma questão jurídica de fácil solução.

A decisão proferida pelo CNJ, em 22 de agosto de 2022, faz renascer a esperança de que a justiça finalmente será feita.

Não restam mais dúvidas de que o Poder Judiciário está livre para decidir sobre a falsidade documental das matrículas cartoriais de nº 726 e 727 e sobre a reintegração de posse.

Assim, para a certeza das coisas determino as seguintes providências:

— a) Aquele órgão deverá ser informado de que as determinações contidas na Portaria TJBA n. 105/2015 e no Ofício n. 204/2016 não mais subsistem, a fim de que, de posse dessa informação, decida, em sua esfera de competência e segundo os critérios pertinentes, qual destino conferir aos cadastros em questão;

— b) Para que não persistam dúvidas sobre o objeto do presente Cumpridec e o limite dos efeitos da decisão tomada pelo Pleno deste CNJ, a Presidência e a Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia deverão ser informadas de que a deliberação do CNJ atingiu tão somente o cancelamento administrativo determinado pela Portaria TJBA n. 105/2015 e que os magistrados em atuação nos processos judiciais relativos às matrículas n. 726 e 727 e as dela derivadas são livres para decidirem segundo seu convencimento e as provas dos autos, não havendo que falar em observância à decisão ou ao entendimento do Conselho Nacional de Justiça. Tal orientação deverá ser retransmitida aos juízes e desembargadores responsáveis por ações relativas a essas matrículas, inclusive aquelas em que são debatidas questões sobre direito de propriedade e posse.

Tendo como fundamento as provas dos autos e as normas legais vigentes, os juízes podem formar a sua convicção, observando o livre convencimento motivado.

Atualmente, duas ações judiciais, que atendendo ao comando do Conselho Nacional de Justiça, permitem o reconhecimento da nulidade do inventário fraudada. São ações do tipo ‘querela nullitatis’, espécie de processo cabível contra decisões judiciais transitadas e julgadas que são maculadas por vícios insanáveis.

Sendo evidente a fraude documental das matrículas 726 e 727 e não havendo mais o temor de repreensão indevida pelo Conselho Nacional de Justiça, caberá finalmente ao Poder Judiciário reconhecer a nulidade das matrículas e a conferir a posse das áreas àqueles que possuem os verdadeiros títulos de propriedade, conclui o jurista. 

Próximo Capítulo

O Capítulo 104 (CIV) do Caso Faroeste aborda os reflexos na concessão de tutela de urgência pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) ao grupo Bom Jesus Agropecuária, sobre as terras da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto, a partir da decisão proferida em 22 de agosto de 2022, no processo nº 0007396-96.2016.2.00.0000, pelo conselheiro do CNJ Richard Pae Kim, na qual afirma que os magistrados de primeiro e segundo grau do PJBA “são livres para decidirem segundo seu convencimento e as provas dos autos, não havendo que falar em observância à decisão ou ao entendimento do Conselho Nacional de Justiça”.

Baixe

Decisão do conselheiro do CNJ Richard Pae Kim, proferida em 22 de agosto de 2022, sobre o rito processual envolvendo as terras da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto

Leia +

Capítulo 102 do Caso Faroeste: A decisão do conselheiro do CNJ Richard Pae Kim que afirma a liberdade dos magistrados e desembargadores da Bahia para julgar o conflito sobre as terras da antiga Fazenda São José

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Capítulo 100 do Caso Faroeste: A paralisação do processo de reintegração de posse e o favorecimento a quem continua produzindo nas terras da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto

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