STF e o princípio da supremacia constitucional: jurista questiona excessos e concentração de poder

Em artigo publicado no site Conjur, o professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho critica decisões do Supremo Tribunal Federal e alerta para violações à Constituição de 1988.

Em artigo publicado na sexta-feira (23/05/2025) no site Consultor Jurídico (Conjur), sob o título original “A supremacia da Constituição é exigência da própria democracia”, o jurista Manoel Gonçalves Ferreira Filho, professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), realiza uma análise crítica sobre a atuação recente do Supremo Tribunal Federal (STF), defendendo que a Corte tem ultrapassado os limites constitucionais que lhe foram atribuídos.

Segundo o autor, “o STF tem como função precípua a guarda da Constituição”, conforme estabelece o artigo 102 da Constituição Federal de 1988. Entretanto, Ferreira Filho afirma que, na prática, esse papel vem sendo exercido de forma que compromete a própria supremacia da Carta Magna, pilar fundamental do Estado democrático de direito.

Origem do inquérito e mudança de entendimento

O jurista relembra que o atual entendimento da Corte teve início com a edição da Portaria GP nº 69, de 14 de março de 2019, que originou o Inquérito nº 4.781, destinado à apuração de “fake news”, calúnias e ameaças contra membros do STF. O relator designado foi o ministro Alexandre de Moraes, que conduz o procedimento até hoje. Para Ferreira Filho, o inquérito representou um ponto de inflexão na interpretação constitucional, possibilitando ao STF adotar decisões que, em seu entendimento, “produziram efeitos que contrariam a Constituição”.

Críticas ao que considera um tribunal de exceção

Um dos principais pontos destacados por Ferreira Filho é a instituição de um tribunal de exceção, com base nas decisões do STF relativas aos atos de 8 de janeiro de 2023. “Tribunal de exceção é aquele que julga determinadas pessoas em situações específicas, o que é expressamente vedado pelo artigo 5º, inciso XXXVII, da Constituição”, afirma.

O autor argumenta que muitos dos investigados e condenados por atos relacionados à data não possuem foro privilegiado e, por isso, deveriam ser julgados pela justiça comum, conforme o artigo 5º, inciso LIII, da Constituição, que assegura o direito ao juiz natural.

Alterações no foro privilegiado e desvio de poder

Ferreira Filho critica ainda a recente mudança de jurisprudência do STF, que voltou a reconhecer foro privilegiado para ex-autoridades. A decisão foi tomada no julgamento do Habeas Corpus 232.627/DF e da Questão de Ordem no Inquérito 4.787, ambos em março de 2025. A proposta foi apresentada pelo ministro Gilmar Mendes. O autor observa que a interpretação da Corte “confere privilégio perene a ex-ocupantes de cargos públicos, contrariando o princípio republicano da igualdade”.

Liberdade de expressão e censura

O artigo também denuncia práticas que, segundo o autor, configuram censura prévia, proibida pelo artigo 5º, inciso IX, da Constituição. Ferreira Filho cita decisões do STF que restringem manifestações classificadas como “fake news” e observa que a liberdade de expressão é um direito assegurado não apenas pela Constituição de 1988, mas também por tratados internacionais subscritos pelo Brasil, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.

Para ele, “mesmo os abusos no exercício dessa liberdade devem ser reprimidos pela legislação penal, jamais por juízos arbitrários e não fundamentados”.

Estado de coisas inconstitucional e concentração de poder

O professor destaca como problemática a utilização recorrente, pelo STF, do conceito de estado de coisas inconstitucional, mecanismo que, segundo ele, tem levado a Corte a invadir competências do Poder Legislativo e do Executivo. Entre os casos citados, estão a ADPF 347 (sistema prisional), a ADPF 635 (segurança pública no Rio de Janeiro) e a ADPF 760 (política ambiental).

Essas decisões, segundo Ferreira Filho, “configuram uma forma de governança judicial, que fere a separação dos poderes e promove uma concentração de autoridade incompatível com os princípios democráticos.”

Emergência institucional e ausência de respaldo constitucional

Outro ponto abordado é a justificativa de emergência institucional adotada pelo STF para fundamentar ações que extrapolam seus poderes constitucionais. Ferreira Filho sustenta que a Constituição de 1988 não confere ao STF poderes emergenciais, mesmo em situações excepcionais. Ele recorda que medidas como estado de sítio ou defesa dependem de autorização expressa do Congresso Nacional, conforme o artigo 137 da Constituição.

Não houve autorização do Congresso para tais medidas, nem tampouco delimitação temporal, como exigido pelo artigo 138 da Constituição”, observa.

Decisões monocráticas e insegurança jurídica

Ferreira Filho também critica a prática recorrente de declarações monocráticas de inconstitucionalidade, as quais deveriam ser tomadas pelo plenário da Corte, conforme o artigo 97 da Constituição. Segundo ele, tais decisões produzem efeitos imediatos e muitas vezes irreversíveis, criando um ambiente de insegurança jurídica e afrontando a exigência de decisão colegiada.

Reflexões finais: concentração de poder e democracia

O artigo conclui que o atual cenário indica a formação de uma “juristocracia”, em que o STF acumula funções típicas dos três poderes. Para Ferreira Filho, isso resulta em uma violação à doutrina de Montesquieu, segundo a qual a separação dos poderes é essencial para a preservação da liberdade e da democracia.

Ele escreve: “O STF deteria a palavra final quanto à governança do país, e, por outro lado, exerceria não somente a função do Judiciário como também a do Legislativo e a do próprio Executivo”.


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