O conceito de Cleptocracia Autocrática Judicial e como ocorre captura do Judiciário, erosão da Democracia e omissão do CNJ

O avanço da Cleptocracia Autocrática Judicial representa um dos maiores desafios contemporâneos para a democracia. Sem reformas profundas e mecanismos de controle mais eficazes, o Judiciário continuará a se consolidar como um poder autônomo e incontrolável, minando as bases do Estado Democrático de Direito e submetendo a sociedade a uma nova forma de autoritarismo: a tirania togada.
O conceito de Cleptocracia Autocrática Judicial revela um Judiciário que abandona sua função constitucional e se converte em um mecanismo de perpetuação de interesses políticos e econômicos. Esse fenômeno compromete a democracia e o Estado de Direito.

O conceito de Cleptocracia Autocrática Judicial, desenvolvido pelo cientista social Carlos Augusto, diretor do Jornal Grande Bahia, aprofunda a análise da degradação institucional do sistema de justiça do Brasil, que, ao invés de atuar como guardião das leis e da ordem democrática, se converte em um instrumento de perpetuação de interesses políticos, econômicos e da própria elite estatal formada, principalmente, por magistrados, promotores e procuradores da República. Esse fenômeno transcende a corrupção tradicional, pois não se trata apenas do enriquecimento ilícito de elites jurídicas, mas da construção de um Judiciário comprometido com a manutenção de privilégios, perseguição seletiva de adversários e usurpação de poderes em detrimento da separação constitucional dos mesmos.

1. Elementos da Cleptocracia Autocrática Judicial

O avanço desse modelo de controle político pelo Judiciário pode ser identificado por meio de três pilares principais:

a) Captura Institucional e Blindagem das Elites

A Cleptocracia Autocrática Judicial caracteriza-se, em primeiro lugar, pela captura do sistema de justiça por interesses específicos, seja do alto empresariado, da classe política ou de setores internos do próprio Judiciário. Esse fenômeno transforma a estrutura judicial em uma engrenagem de legitimação seletiva, mascarando sua parcialidade sob a aparência de legalidade.

Nesse contexto, estabelece-se um Conluio Persecutório na Esfera Pública, no qual a Liberdade de Imprensa se torna uma das primeiras vítimas. Jornalistas e veículos de comunicação independentes são alvo de sanções e processos judiciais, enquanto determinados grupos econômicos, figuras públicas e membros do Judiciário e Ministério Público são sistematicamente blindados, garantindo impunidade aos aliados do regime. Por outro lado, opositores políticos são submetidos a investigações e decisões arbitrárias, consolidando um sistema de repressão seletiva e minando os princípios do Estado Democrático de Direito.

b) Concentração de Poder e Expansão de Competências

Outro aspecto essencial desse fenômeno é a ampliação indevida das competências do Supremo Tribunal Federal (STF) e outras instâncias superiores, muitas vezes por meio de interpretações jurídicas elásticas e sem base constitucional clara. A hipertrofia do Judiciário, nesse contexto, rompe com o princípio da separação dos poderes, transformando os tribunais em órgãos legisladores e até mesmo em executores de políticas públicas, interferindo em decisões que deveriam ser prerrogativas do Congresso ou do Executivo.

c) Perseguição Seletiva e Repressão Política

O terceiro elemento-chave da Cleptocracia Autocrática Judicial é o uso do Judiciário como ferramenta de repressão contra adversários políticos, jornalistas independentes e vozes dissidentes. Decisões judiciais arbitrárias, inquéritos sem devido processo legal e censura disfarçada de tutela da democracia são mecanismos recorrentes que demonstram a degeneração das garantias constitucionais e do devido processo legal.

d) O Uso do Livre Convencimento como Arma de Violação dos Direitos Civis

Magistrados, promotores e procuradores têm utilizado o princípio do Livre Convencimento como um instrumento de legitimação de decisões arbitrárias, ignorando provas, doutrinas jurídicas estabelecidas e princípios fundamentais do Direito. Essa prerrogativa, ao ser utilizada sem qualquer critério objetivo, permite que falhas cognitivas, éticas e técnicas se tornem normatizadas, resultando em julgamentos enviesados e na corrosão dos fundamentos constitucionais. Como resultado, jornalistas, acadêmicos e críticos do sistema tornam-se alvos fáceis de perseguição judicial e política, sem que haja qualquer controle efetivo sobre os abusos cometidos.

2. O Papel do Conselho Nacional de Justiça (CNJ): Omissão e Conivência

Criado para ser um órgão de fiscalização e controle da atuação do Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem falhado sistematicamente em conter abusos, consolidando sua posição como um órgão meramente burocrático, incapaz de cumprir seu papel de defesa da legalidade e do Estado de Direito.

a) Inércia diante das Violações à Liberdade de Imprensa

O CNJ tem se omitido de forma flagrante diante dos reiterados ataques à Liberdade de Imprensa promovidos por setores do próprio Judiciário. Jornalistas e veículos de comunicação que denunciam abusos ou decisões questionáveis dos tribunais têm sido alvos de censura judicial, ordens de remoção de conteúdo e até processos criminais. No entanto, o CNJ raramente age para coibir tais práticas, contribuindo para a criação de um ambiente de intimidação e autocensura na mídia.

b) Blindagem de Magistrados e Favorecimento Corporativista

Enquanto ignora os ataques às liberdades fundamentais, o CNJ atua com notável diligência quando se trata de proteger membros do próprio Judiciário. Magistrados acusados de condutas antiéticas, parcialidade em decisões ou até mesmo envolvimento em esquemas de corrupção frequentemente encontram no CNJ um escudo protetor, que impede investigações profundas e evita punições severas. O corporativismo se manifesta na ausência de transparência nos processos disciplinares, na morosidade das investigações e na aplicação de sanções brandas ou meramente simbólicas para juízes que violam os princípios da imparcialidade e da legalidade.

3. A Omissão do CNJ e o Colapso da Autocontenção Institucional

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sob a ótica da teoria institucional, deveria funcionar como um órgão de autocontenção do poder judicial, um “freio interno” de accountability. Contudo, a prática revela o oposto: o CNJ atua como instância de manutenção do status quo, coibindo denúncias externas, blindando magistrados e promovendo uma cultura de impunidade interna.

Essa omissão representa:

  • Fracasso do modelo de governança judicial;

  • Esvaziamento do controle externo do Judiciário;

  • Supressão da transparência e responsabilidade pública;

  • Cumplicidade institucional com abusos e violações de direitos fundamentais.

4. O STF e a Consolidação da Cleptocracia Autocrática Judicial

O Supremo Tribunal Federal, como órgão máximo do Judiciário, tem desempenhado um papel central na consolidação desse modelo. A politização de suas decisões, a omissão em relação a abusos de poder e a subversão de normas constitucionais são sintomas claros da erosão institucional. A ausência de mecanismos eficazes de controle e a perpetuação de ministros sem limites temporais de mandato também contribuem para a consolidação desse quadro.

A inércia do CNJ, que deveria atuar como um fiscalizador independente, apenas reforça esse cenário, ao permitir que o STF e outras instâncias superiores exerçam sua autoridade sem qualquer mecanismo real de controle. Assim, o Judiciário passa a operar como uma casta intocável, alheia à prestação de contas e imune às críticas legítimas da sociedade.

5. Impactos para a Democracia e o Estado de Direito

A ascensão desse modelo representa um perigo existencial para qualquer regime democrático. Entre as principais consequências, destacam-se:

  • Erosão da Separação dos Poderes: O Judiciário se torna um poder acima dos demais, interferindo constantemente em decisões do Legislativo e do Executivo, desbalanceando o arranjo institucional republicano.
  • Descredibilização da Justiça: Ao se tornar um ator político, o Judiciário perde sua legitimidade como instância imparcial e passa a ser visto como um instrumento de disputas políticas e ideológicas.
  • Desestabilização Política e Social: A instrumentalização do Judiciário gera insegurança jurídica e desconfiança nas instituições, aprofundando polarizações e incentivando reações autoritárias de diferentes setores da sociedade.
  • Censura e Restrição das Liberdades Individuais: O avanço de medidas repressivas, como censura judicial a jornalistas e perseguição a críticos do sistema, compromete a liberdade de expressão e restringe o espaço de debate público.

6. Fundamentação Teórica e Abordagens Convergentes

6.1. Teoria da Captura Institucional (Regulatory Capture) – George Stigler

Originalmente aplicada ao setor regulatório, a teoria da captura pode ser adaptada ao Judiciário. A partir da obra de George Stigler (1971), é possível compreender como agentes reguladores – neste caso, magistrados e promotores – passam a atuar em função dos interesses dos grupos que deveriam fiscalizar. No contexto da Cleptocracia Autocrática Judicial, essa captura não é apenas econômica, mas estrutural, ideológica e corporativa, gerando um sistema de blindagem recíproca entre membros da elite estatal.

6.2. Crise da Democracia Liberal – Steven Levitsky e Daniel Ziblatt

No livro Como as Democracias Morrem (2018), os autores afirmam que as democracias modernas tendem a se corroer internamente, por meio de instituições que, embora preservem a fachada legalista, subvertem os princípios democráticos. Essa tese sustenta a crítica de que o Judiciário, ao ultrapassar os limites de sua função contramajoritária, contribui para a erosão da democracia sob o manto da legalidade.

6.3. Autoritarismo Legalista – Kim Lane Scheppele

A jurista norte-americana Kim Lane Scheppele desenvolveu o conceito de “legalismo autocrático” (autocratic legalism), que descreve regimes em que a legalidade é manipulada para destruir os mecanismos de controle e accountability. Essa ideia dialoga diretamente com a Cleptocracia Autocrática Judicial, pois revela como o Sistema de Justiça pode ser cooptado para funcionar como peça fundamental do autoritarismo moderno.

6.4. Tirania do Judiciário – Bruce Ackerman

Em diversas obras, Bruce Ackerman adverte sobre os perigos de uma juristocracia, na qual a supremacia judicial esvazia o papel dos representantes eleitos e estabelece uma ditadura de toga sob o pretexto de proteger direitos fundamentais. O conceito de Ackerman confere solidez ao alerta sobre a concentração de poder decisório nas mãos de uma elite judicial não eleita.

6.5. Teoria Crítica do Direito – Roberto Lyra Filho e Boaventura de Sousa Santos

Autores como Lyra Filho e Boaventura de Sousa Santos, no Brasil e em Portugal, desenvolveram abordagens críticas sobre o Direito como instrumento de dominação. A perspectiva de que o Judiciário reproduz a lógica das classes dominantes e opera sob uma racionalidade de dominação técnica e simbólica é congruente com o diagnóstico de que o sistema judicial atua como operador da manutenção de privilégios.

7. Perda do controle estatal

O avanço da Cleptocracia Autocrática Judicial representa um dos maiores desafios contemporâneos para a democracia. O Judiciário, ao invés de ser um contrapeso contra excessos dos outros poderes, torna-se ele próprio um agente de deterioração institucional. O CNJ, que deveria funcionar como um moderador desse poder, revela-se ineficaz e cúmplice da degradação do sistema de justiça.

Para conter esse processo, é fundamental a implementação de mecanismos que limitem a atuação abusiva dos tribunais superiores, promovam maior transparência e garantam a efetiva separação entre os poderes. Além disso, a reforma do CNJ é indispensável para que o órgão deixe de atuar como um escudo para magistrados e passe a cumprir seu verdadeiro papel de fiscalização e garantia da legalidade.

Caso contrário, o Judiciário continuará a se consolidar como um poder autônomo e incontrolável, minando as bases do Estado Democrático de Direito e submetendo a sociedade a uma nova forma de autoritarismo: a tirania togada.

Articulação Epistêmica: Da Teoria à Prática

O conceito de Cleptocracia Autocrática Judicial se firma, portanto, como uma categoria analítica inovadora, mas coerente com tradições intelectuais críticas. Ele amplia a compreensão da captura institucional ao revelar que o Judiciário pode não apenas ser influenciado, mas também originar e consolidar um sistema de poder autoritário dentro do próprio Estado, com respaldo normativo e retórica democrática.

Essa forma de autoritarismo judicial se sustenta por:

  • Práticas seletivas de repressão penal;

  • Expansão ilegítima de competências constitucionais;

  • Conluio entre magistratura e Ministério Público;

  • Silenciamento institucional do CNJ por meio do corporativismo togado.

*Carlos Augusto, jornalista e cientista social, diretor do Jornal Grande Bahia.

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