STF perpetua privilégios: 13 anos de atraso em julgamento sobre cartórios da Bahia expõem ineficiência e corrupção de princípios

Entre pilhas de ‘sessões adiadas’ e máscaras douradas de poder, o STF eterniza a morosidade que sustenta privilégios bilionários dos cartórios, enquanto o povo paga a conta.
STF adia há 13 anos julgamento dos cartórios da Bahia e mantém privilégios bilionários com impacto social e corrupção de princípios.

O Supremo Tribunal Federal (STF) acumula há 13 anos sem conclusão o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4851, que questiona a Lei Estadual nº 12.352/2011, responsável por permitir a migração irregular de servidores do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) para a condição de delegatários privados de cartórios sem concurso de provas e títulos, em afronta ao artigo 236 da Constituição.

O impasse transformou as serventias baianas em feudos privados com receitas milionárias, estimadas em R$ 3 bilhões anuais, sustentados por taxas regressivas que penalizam os mais pobres, serviços precários e baixa digitalização. Já são seis votos pela inconstitucionalidade, mas sucessivos adiamentos, pedidos de destaque e transferências de plenário mantêm a indefinição. A disputa divide entidades representativas, que citam pareceres de juristas renomados de um lado e denunciam violação ao princípio republicano do concurso público de outro.

Enquanto titulares de Cartório acumulam rendimentos de até R$ 70 mil mensais, a população enfrenta custos elevados e o Estado deixa de promover concursos regulares. O caso tornou-se um símbolo da morosidade judicial e da corrupção de princípios constitucionais, revelando uma crise estrutural de eficiência do STF, que, ao adiar a decisão, consolida privilégios inconstitucionais, fragiliza a confiança institucional e transforma a segurança jurídica em justificativa para manutenção da desigualdade social.

Suprema ineficiência do Poder Judiciário

O Supremo Tribunal Federal (STF) acumula há 13 anos um processo sobre a privatização dos cartórios da Bahia, movido em 2012 pelo então procurador-geral da República Roberto Gurgel. A ação questiona a Lei Estadual nº 12.352/2011, que permitiu a migração de servidores concursados em regime público para a condição de delegatários privados sem concurso de provas e títulos, em afronta ao artigo 236 da Constituição Federal.

Na prática, a norma transformou cartórios antes remunerados por salários fixos em verdadeiros feudos privados, com receitas milionárias repassadas diretamente aos titulares. Estima-se que, apenas na Bahia, os cartórios movimentem R$ 3 bilhões anuais, em grande parte pagos por cidadãos obrigados a utilizar serviços notariais e registrais.

Votos já consolidados e sucessivos adiamentos

O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4851 já conta com seis votos pela inconstitucionalidade da lei baiana. Mesmo assim, sucessivos adiamentos, pedidos de destaque e mudanças entre o plenário físico e o virtual postergaram a conclusão.

O ex-relator Dias Toffoli chegou a votar contra a norma, mas defendeu a permanência dos atuais titulares em nome da “segurança jurídica”. Em agosto de 2025, o ministro Luiz Fux pediu que o processo deixasse o plenário virtual e fosse transferido para o físico, ampliando a demora. Restam votar Luiz Fux, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, enquanto ministros como Flávio Dino e André Mendonça não participam por terem sucedido colegas que já se manifestaram.

Entidades divididas

A disputa mobiliza associações representativas. A Associação Baiana dos Notários e Registradores (ABNR) defende a legalidade da lei de 2011, citando pareceres de juristas renomados como Sepúlveda Pertence e Celso Antônio Bandeira de Melo. Já o Colégio Notarial do Brasil – Seção Bahia (CNB-BA) critica a situação, apontando constrangimento institucional e violação ao princípio republicano do concurso público.

Impacto financeiro e social

A migração irregular permitiu que cartórios baianos alcançassem receitas individuais superiores a R$ 1 milhão por ano, com titulares recebendo vencimentos de até R$ 70 mil mensais. Esse modelo, sustentado pela morosidade judicial, transferiu renda da coletividade para poucos beneficiados, mantendo os custos elevados para os usuários.

Entre as principais críticas estão:

  • Taxas regressivas: emolumentos são cobrados igualmente de ricos e pobres, penalizando proporcionalmente os mais vulneráveis;
  • Serviços precários: filas, cobranças excessivas e baixa digitalização são recorrentes;
  • Baixa transparência: ausência de auditorias independentes e falta de metas públicas de desempenho;
  • Transferência de renda: R$ 3 bilhões anuais drenados da economia local, reduzindo consumo e investimento.

O paradoxo da “segurança jurídica”

A invocação da “segurança jurídica” como justificativa para manter cartórios sob regime irregular transformou um arranjo transitório em mecanismo de captura institucional. O atraso no julgamento não é apenas omissão: funciona como sistema ativo de transferência regressiva de renda, consolidando privilégios e desestimulando modernização.

Enquanto a sociedade arca com os custos, os cartórios acumulam rendas monopolistas em um setor sem concorrência e de uso obrigatório. A cada adiamento, consolida-se um dividendo invisível da morosidade.

O que está em jogo com a decisão do STF

Concluir o julgamento teria impacto direto na governança institucional e nos custos sociais. Entre as medidas defendidas por especialistas estão:

  • Execução imediata de concurso público de provas e títulos, com fase de transição;
  • Padronização tarifária e auditoria independente;
  • Digitalização efetiva para reduzir filas e eliminar redundâncias;
  • Mecanismos de defesa do usuário, como ouvidorias com poder sancionatório;
  • Governança anticaptura, com relatórios semestrais ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

A permanência do atual modelo significa subsidiar privilégios inconstitucionais; já a conclusão do julgamento pode redefinir o setor, reduzir custos e devolver legitimidade ao princípio republicano do concurso público.

Quem lucrou com a demora do julgamento

A postergação da decisão do STF beneficiou diretamente os servidores que migraram para a condição de delegatários privados com base na lei de 2011. Sem concurso de provas e títulos, passaram a administrar cartórios extrajudiciais com receitas próprias, algumas chegando a R$ 1 milhão ao ano, com rendimentos individuais estimados em até R$ 70 mil mensais.

Além dos titulares, a estrutura corporativa dos cartórios também se fortaleceu, já que a indefinição judicial permitiu a manutenção de uma rede de privilégios amparada pela chamada “segurança jurídica”. Cada adiamento funcionou, na prática, como um dividendo da morosidade, garantindo a continuidade da arrecadação bilionária sem qualquer risco imediato de perda de cargos.

Quem foi prejudicado pelo impasse

No outro extremo, a população baiana arca com os custos da indefinição. Os usuários enfrentam taxas cartorárias elevadas, serviços precários e pouca digitalização, em um setor essencial e de uso compulsório. Estima-se que os cartórios da Bahia movimentem R$ 3 bilhões por ano, recursos que, em grande parte, correspondem a uma transferência de renda regressiva: o custo pesa mais para trabalhadores de baixa renda do que para grandes empresas.

O próprio Estado também é prejudicado. A demora impede a realização de concursos públicos regulares, compromete a profissionalização da carreira notarial e fragiliza a credibilidade institucional do Judiciário, que, apesar de consumir bilhões anuais em manutenção e salários, não entrega decisões em tempo razoável para garantir justiça e eficiência.

Corrupção de princípios e disfuncionalidade estrutural do STF 

O caso da ADI 4851 vai muito além da disputa sobre a titularidade dos cartórios da Bahia. Ele expõe uma contradição estrutural do sistema de justiça brasileiro: o STF, instância máxima de defesa da Constituição, revela-se incapaz de aplicá-la de forma célere e efetiva quando estão em jogo interesses corporativos e privilégios consolidados. A chamada corrupção de princípios constitucionais se manifesta na manutenção desses privilégios pela via da inércia, transformando o silêncio judicial em legitimidade para um regime claramente contrário ao texto constitucional.

Essa postura revela não apenas uma escolha política da Corte, mas também sua ineficiência estrutural. O Poder Judiciário brasileiro consome bilhões anuais do orçamento público, remunera ministros com salários acima de R$ 40 mil mensais, sustenta milhares de servidores com vencimentos elevados e, ainda assim, não entrega à sociedade serviços qualificados, céleres e transparentes. O contraste entre os custos de manutenção e a baixa eficiência torna-se um dos símbolos mais eloquentes da crise de legitimidade da Justiça.

A ADI 4851 é, portanto, um caso emblemático da disfuncionalidade do STF. Ao adiar por mais de uma década um julgamento com maioria já consolidada, a Corte não apenas corrói a confiança institucional, mas transmite a imagem de um tribunal incapaz de exercer sua função primordial. Ao legitimar privilégios contrários à Constituição, o Supremo transforma sua morosidade em uma forma velada de governança, onde o tempo de julgamento passa a servir como instrumento de poder.

Esse comportamento se torna ainda mais grave quando comparado ao impacto direto sobre a sociedade. Os principais beneficiados pela demora foram os cartorários que, graças à inércia do STF, consolidaram uma renda monopolista bilionária e passaram a operar sob um arranjo jurídico precário, porém protegido pela protelação. Já os prejudicados foram os cidadãos, obrigados a arcar com taxas cartorárias regressivas e serviços deficientes, perdendo não apenas recursos financeiros, mas também confiança no sistema judicial. Cada ano de atraso acumulou um custo social invisível, mas pesado, enquanto a Corte reiterava a imagem de uma instituição onerosa, morosa e permeável a pressões políticas e corporativas.

Concluir esse julgamento não é apenas uma formalidade constitucional. É uma necessidade de justiça social, que pode devolver à sociedade um sistema mais transparente, competitivo e eficiente, reabrindo o caminho do concurso público e reduzindo privilégios ilegítimos. Manter o impasse, por outro lado, significa transformar a morosidade em política pública regressiva, em que a ineficiência se converte em fonte de renda para poucos e em prejuízo difuso para milhões de brasileiros.

O desfecho da ADI 4851 será, portanto, um teste decisivo para o STF: ou reafirma seu papel como guardião da Constituição, impondo a ordem constitucional sobre interesses corporativos, ou permanecerá como um tribunal complacente, incapaz de enfrentar privilégios, contribuindo para a erosão progressiva de sua legitimidade democrática.

A origem da ADI e os questionamentos constitucionais

Em 19 de setembro de 2012, o então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4851, com pedido de liminar, contra dispositivos da Lei nº 12.352/2011, do Estado da Bahia. O ponto central da ação é a permissão concedida pela lei para que servidores do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) migrassem para a condição de delegatários privados de cartórios, sem se submeterem a concurso público de provas e títulos, como exige o artigo 236, §3º, da Constituição Federal.

O procurador lembrou que, em 2004, o TJBA havia realizado concurso simplificado para cargos de natureza cartorária, mas apenas com provas escritas. Os aprovados passaram a integrar o quadro de servidores do tribunal, em funções semelhantes a analistas judiciários. Com a edição da lei estadual de 2011, esses mesmos servidores puderam optar pela privatização das serventias, transformando-se em tabeliães e registradores sem concurso público adequado.

Segundo Gurgel, essa transição representou uma violação frontal à Constituição, pois permitiu a criação de um atalho para assumir funções de natureza notarial em regime privado. A ADI 4851 pede a declaração de inconstitucionalidade do caput e dos parágrafos 1º, 4º e 5º do artigo 2º da lei baiana, preservando apenas a permanência dos servidores no regime jurídico original para o qual haviam prestado concurso.

Distribuição e rito abreviado no STF

A ação foi distribuída ao ministro Dias Toffoli, que, reconhecendo a relevância do caso, aplicou o procedimento abreviado previsto no artigo 12 da Lei nº 9.868/1999. Isso significava que a matéria seria julgada diretamente em caráter definitivo pelo plenário, dispensando a análise cautelar. Na prática, a decisão deveria ter sido célere, já que o rito abreviado foi concebido justamente para evitar longas discussões processuais.

Entretanto, o que era para ser uma tramitação rápida converteu-se em um dos maiores símbolos de morosidade judicial do STF. Treze anos depois, o processo ainda não foi concluído, apesar de já contar com seis votos pela inconstitucionalidade da lei.

Linha do tempo da ADI 4851 (Cartórios da Bahia)

2004 – Concurso simplificado no TJBA
O Tribunal de Justiça da Bahia realiza concurso apenas com provas escritas para funções cartorárias, sem etapa de títulos. Aprovados ingressam como servidores em regime estatutário.

2011 – Aprovação da Lei Estadual nº 12.352/2011
A Assembleia Legislativa da Bahia aprova norma permitindo a migração desses servidores para a condição de delegatários privados de cartórios, sem concurso de provas e títulos, contrariando o artigo 236 da Constituição.

19 de setembro de 2012 – Ajuizamento da ADI 4851
O então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, propõe a Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF contra a lei baiana. Argumenta que a norma criou um “atalho inconstitucional” para privatizar cartórios.

2012 – Distribuição ao ministro Dias Toffoli
Relator aplica rito abreviado (art. 12 da Lei 9.868/1999), que deveria garantir julgamento célere em caráter definitivo pelo plenário.

2012–2018 – Tramitação sem conclusão
Apesar do rito abreviado, o processo não é finalizado. Durante esses anos, cartórios já operam como delegações privadas com receitas milionárias.

2019 – Votos no plenário
Começa o julgamento. Já são proferidos seis votos pela inconstitucionalidade da lei baiana. O ministro Dias Toffoli, apesar de votar contra a norma, defende a manutenção dos atuais titulares sob a justificativa da “segurança jurídica”.

2020–2024 – Sucessivos adiamentos
Pedidos de destaque e alternância entre plenário físico e virtual atrasam a conclusão. Ministros que substituíram colegas (como Flávio Dino e André Mendonça) ficam fora do caso, pois os votos já estavam depositados.

Agosto de 2025 – Novo impasse
O ministro Luiz Fux pede a retirada do processo do plenário virtual para o físico, ampliando a demora. Restam votar Fux, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes.

Impactos consolidados após 13 anos de indefinição

  • R$ 3 bilhões anuais movimentados pelos cartórios baianos.
  • Privilégios concentrados: rendimentos de até R$ 70 mil mensais para titulares.
  • População prejudicada: taxas regressivas, serviços precários e baixa digitalização.
  • Erosão institucional: STF acumula imagem de morosidade, complacência com privilégios e corrupção de princípios constitucionais.

Direito de Resposta: Nota de Esclarecimento da Associação Baiana dos Notários e Registradores

A Associação Baiana dos Notários e Registradores (ABNR) divulgou nota de esclarecimento em resposta a reportagem do Jornal Grande Bahia. A entidade afirma que é falsa a promessa de redução de preços caso outro grupo assumisse os cartórios, pois as taxas são definidas pelo Tribunal de Justiça e previstas em lei estadual. Ressalta ainda que os atuais titulares ingressaram de forma regular, inclusive por concurso público reconhecido pelo CNJ, e que promoveram a modernização e digitalização dos serviços, hoje acessíveis em plataformas como o e-Notariado e o Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI). Confira íntegra:

A Associação Baiana dos Notários e Registradores da Bahia (ABNR) vem a público esclarecer informações publicadas em reportagem do Jornal Grande Bahia, que ataca injustamente a atividade notarial e registral do Estado.

É falsa a promessa de que haveria redução de preços caso determinado grupo assumisse os cartórios. As taxas cobradas pelos serviços cartorários não são definidas por notários ou registradores, mas sim fixadas por iniciativa do Tribunal de Justiça e regulamentadas em lei estadual.

Os notários e registradores da Bahia ingressaram na carreira de forma regular, inclusive por meio de concurso público, como já reconhecido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Diferentemente do que afirma a reportagem, os atuais ocupantes dos cartórios da Bahia foram defensores da privatização, promoveram significativas melhorias e digitalizaram amplamente os serviços, hoje integrados a plataformas como o e-Notariado e o Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI), que oferecem serviços online, acessíveis e seguros à população.

A ABNR considera inaceitável que adversários anônimos promovam desinformação para influenciar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4851.

A tentativa de depreciar o trabalho dos notários e registradores faz parte de manobra escusa de grupo interessado em assumir o controle dos cartórios, ignorando as normas jurídicas aplicáveis.

Por fim, a ABNR destaca que os serviços extrajudiciais da Bahia são transparentes, autossustentáveis e fiscalizados, não representando privilégios, mas sim eficiência e segurança jurídica a serviço da sociedade.

Fernando Cunha
Advogado da Associação Baiana de Notários e Registradores

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