Para todo o mal cortar, a Espada de Luz de José Gabriel da Costa

Mestre Gabriel
Mestre Gabriel

José Gabriel da Costa, Mestre Gabriel, recriou a União do Vegetal em 22 de julho de 1961, para trazer Luz, Paz e Amor à humanidade. Esta é uma religião genuinamente brasileira, e tem como peculiaridade a ingestão de um chá utilizado desde tempos imemoriais pelas comunidades indígenas amazônicas – a Hoasca (Ayahuasca).

A União do Vegetal tem por objetivo contribuir para o desenvolvimento humano, com o aprimoramento de suas qualidades intelectuais e suas virtudes morais e espirituais.

Mestre Gabriel
Mestre Gabriel

Antes de fundar — ou recriar — a sua doutrina, José Gabriel participou ativamente dos cultos afro-brasileiros, nos quais se iniciou ainda em Salvador, na Bahia.

Em Porto Velho, Rondônia, para onde migrou como soldado da borracha, “seu” Gabriel atendia pessoas em sua casa, onde jogava búzios. Mais tarde, se torna ogã e pai do Terreiro de São Benedito, da mãe-de-santo Chica Macaxeira.

Chica Macaxeira era a nordestina Ceci Lopes Bittencourt, negra alta e robusta, mãe-de-santo do Terreiro de São Benedito. O seu terreiro — ou batuque de São Benedito — misturava práticas de Tambor de Mina, Verequete e Pajelança.

Desde os anos 1950 que José Gabriel “recebia” o caboclo Sultão das Matas, quando trabalhava num terreiro que armou no seringal. Como Sultão das Matas ele realizava trabalhos de cura e ficou famoso em uma região onde a medicina científica era praticamente inexistente naquela época. Há registro de muitas curas patrocinadas por esta entidade, inclusive no seio da própria família de José Gabriel.

O Sultão das Matas se apresentava com a entoação deste ponto:

Tava nas mata virgens
Quando mandaram me chamar
Eu me chamo Sultão das Mata
Aqui nesse cajual.

Na minha pisada só tem caboclo
No rastro de um tem a trilha do outro
Hei, hei Samambaia, na minha virada só tem caboclo
Hei, hei Samambaia, na minha virada só tem caboclo.

No terreiro de Chica Macaxeira, José Gabriel se torna ogã e pai-de-Terreiro, joga búzios, promove curas e pratica o bem para o seu próximo. Vai se afastar deste culto quando bebe o chá Hoasca (Ayahuasca) e (re)cria a sua própria doutrina: a União do Vegetal.

— Eu quero falar pra vocês que tudo que o Sultão das Matas fez eu sei: Sultão das Matas sou eu.

Este é um dos momentos mais importantes de ruptura de José Gabriel com a tradição religiosa à qual estava ligado anteriormente.

Ao postular para si mesmo o poder antes atribuído à entidade Sultão das Matas, o agora Mestre Gabriel interdita a incorporação dos cultos de caboclo na doutrina que se inicia e configura o transe que será típico da União do Vegetal: a burracheira.

A burracheira, que segundo Mestre Gabriel significa “força estranha”, é a presença da força e da luz do Vegetal na consciência daquele que bebeu o chá. O objetivo da ingestão ritualística deste chá é de proporcionar ao usuário um estado equilibrado de concentração mental para a sua evolução espiritual.

Em 1964, José Gabriel da Costa se muda em definitivo para a capital do Território Federal de Rondônia. Porto Velho era então um pequeno vilarejo, carente de toda infraestrutura. Nenhum edifício, quase todas as ruas de terra batida, esburacadas pelas constantes chuvas, casas em sua maioria choupanas, sem conforto ou saneamento básico, poucos carros, muitos veículos de tração animal e bicicletas.

José Gabriel adquire um modesto imóvel na rua Abunã, nº 1.215. Essa mansarda é descrita como uma choupana de chão de barro, cheia de altos e baixos — casa de caboclo: dois quartos, sala, cozinha e banheiro do lado de fora.

No terreno da casa havia um barracão anexo, que só abrigará as sessões da União do Vegetal no final de 1965, e será chamada de “Sede”.

— É Sede porque eu cedi.

Ensina o Mestre o significado oculto das palavras, seus mistérios para além do sentido imediato com que são ditas.

Para o sustento de sua família organiza uma olaria não mecanizada. Além da feitura dos tijolos para venda, ali são realizados os preparos do Vegetal (Hoasca/Ayahuasca).

É nesse período que Mestre Gabriel estrutura o seu culto. Acontecem as primeiras Sessões de Escala, são instituídos o arco, o uniforme e introduzidas músicas de mensagens edificantes para embelezar as sessões e doutrinar os discípulos.

Coincidentemente, a Sede da União do Vegetal era vizinha ao terreiro da mãe-de-santo Chica Macaxeira, localizado no cruzamento da Rua Abunã com Marechal Deodoro, Bairro Olaria…

O relato de José Cirineu, Taquá

O jovem José Cirineu, hoje com 74 anos, mais conhecido pelos apelidos de Itaquá, Taquá ou Itacoatiara levava uma louca e aventureira vida, como é mister entre garimpeiros.

Os seus apelidos estavam relacionados ao município de origem, situado no Estado do Amazonas.

Na esperança de bamburrar, trabalhava em garimpos de diamante, ouro, cassiterita… ora pobre e miserável, ora muito rico… assim era sua vida irregular.

Tinha como base a pequena cidade de Porto Velho, e o tempo ocioso nos fins de semana era passado na zona do baixo meretrício entre jogatina, prostitutas e bebida alcóolica.

Alguns amigos o convidavam para ir beber o Vegetal com seu Gabriel, convite ao qual ele sempre declinava. Habitué mesmo era da mesa de bar, em sórdidos ambientes.

Numa noite de sábado, já após a meia-noite, alguns colegas o convidaram para ir até o batuque de Chica Macaxeira, no intuito de beber marafo.

Nos terreiros de alguns cultos afro-brasileiros, marafo é uma palavra designativa de aguardente de cana ou cachaça, muito utilizada pelas entidades sem luz, os exus – na quimbanda, estes seres assim se apresentam, maculando o sagrado nome de Exu. O marafo é ngerido pelos aparelhos frequentadores da casa, e distribuída entre os assistentes.

Diferente da época em que José Gabriel trabalhava naquele terreiro, quando a caridade e o auxílio ao próximo eram praticados por entidades curadoras — como o Sultão das Matas — neste momento uma mancha escura se abatia sobre aquele recinto, envolto em feitiçaria e magia negra — a manipulação de energias da natureza no intuito de fazer mal ao próximo.

O marafo era bebido em cuias, retiradas de um panelão. O amigo Pedro se serviu de uma generosa dose. José Cirineu, porém, não teve tempo de fazer o mesmo…

O ambiente denso e escuro foi invadido por uma radiante luz, que chegava em socorro dos espíritos sofredores que ali se encontravam.

Com o uniforme azul e branco de Mestre Geral da União do Vegetal, após uma noite de doutrinação de discípulos numa Sessão de Escala, na Sede, José Gabriel da Costa se dirigiu para a casa vizinha, o terreiro de Chica Macaxeira, na mesma Rua Abunã, e adentrou o recinto empunhando a sua Espada de Luz, cortando todo o mal que ali estava.

Passados quase 50 anos, José Cirineu descreve como se fosse hoje o som da espada no ar, combatendo os malfazejos visíveis e invisíveis que naquele sinistro recinto se reuniam.

A “espada” do Mestre Gabriel era um pedaço estreito de pano acetinado, ornado com símbolos esotéricos, utilizado em rituais de passes magnéticos nas casas espíritas.

Um forte silvo seguido de estrépito estalido cortava o ar

— Shh… thhá… shh… thhá…

“Chegaram a Jerusalém. Entrando Jesus no templo, começou a expulsar os que ali vendiam e compravam, e derrubou as mesas dos cambistas, e as cadeiras dos que vendiam as pombas.

Não permitia que ninguém atravessasse o templo, levando qualquer objeto, e ensinava, dizendo: Não está escrito que a minha casa será chamada casa de oração para todas as nações? Mas vós a tendes feito um covil de salteadores.”

Um alvoroço tomou conta dos frequentadores do batuque, muitos fugiam. José Cirineu ouvia Chica Macaxeira repetir:

— Tu ‘tá doido, Gabriel? Tu ‘tá doido, Gabriel?

“Sobrevieram os principais sacerdotes e os escribas, juntamente com os anciãos, e falaram-lhe nestes termos:

— Dize-nos: Com que autoridade fazes estas coisas, ou quem é o que te deu esta autoridade?”

Mestre Gabriel, sereno, portador da Espada da Paz, respondia:

— Tu não vai mais fazer mal à humanidade! Basta!

O silvo e o estalido cortavam o ar. O sabre de luz trabalhava, cortando todo o mal.

No alvoroço que se seguiu, o panelão de marafo foi chutado com energia, e veio parar aos pés de José Cirineu, que já preparava a retirada junto com os demais amigos garimpeiros.

Do lado de fora do terreiro, pequenos grupos se reuniam para comentar o ocorrido: a noite em que Mestre José Gabriel da Costa, com a Espada da Justiça em punho, combateu o mal que se irradiava de Porto Velho para toda a humanidade.

Assim está contada a história que ouvi do amigo Taquá (José Cirineu), numa noite amazônica de lua crescente, na Cidade de Rio Branco, Acre.

Hoje, a União do Vegetal, plantada na Terra e confirmada no Astral Superior, não tem como ser esquecida.

Dona Chica Macaxeira desencarnou aos 84 anos de idade. Seu desencarne ocorreu no dia 04 de dezembro de 1979. Ninguém quis tomar posse do seu legado no terreiro. Sem deixar sucessor, o Terreiro de São Benedito ficou abandonado.

Banner da Prefeitura de Santo Estêvão: Campanha do São João 2024.
Banner da Campanha ‘Bahia Contra a Dengue’ com o tema ‘Dengue mata, proteja sua família’.
Sobre Juarez Duarte Bomfim 726 artigos
Baiano de Salvador, Juarez Duarte Bomfim é sociólogo e mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), doutor em Geografia Humana pela Universidade de Salamanca, Espanha; e professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Tem trabalhos publicados no campo da Sociologia, Ciência Política, Teoria das Organizações e Geografia Humana. Diversas outras publicações também sobre religiosidade e espiritualidade. Suas aventuras poético-literárias são divulgadas no Blog abrigado no Jornal Grande Bahia. E-mail para contato: juarezbomfim@uol.com.br.

Seja o primeiro a comentar

Deixe um comentário