O escultor, escritor e babalorixá Deoscóredes Maximiliano dos Santos, Mestre Didi (1917-2013) foi sumo sacerdote do culto a Omulu; e Alapini — sacerdote supremo do culto aos Egun (mortos).
Fora da Bahia Didi é conhecido como artista plástico. Sua presença na cena contemporânea se deve à produção de esculturas compostas por uma trama de búzios, couro e nervuras de palmas. Por transitar entre o artesanato, o folclórico e a produção contemporânea, Mestre Didi demorou a ter sua obra reconhecida no país. Foi somente na 23ª Bienal de São Paulo, em 1996, que o artista ganhou uma sala especial e o destaque merecido. No grandioso Museu Afro Brasil (SP-SP) encontram-se 40 obras desse importante artista plástico. Deixou também vasta obra literária.
O que nos interessa registrar agora é a importância do homem de culto. Mestre Didi, da linhagem dos Asipá, descendente de grandes caçadores e exploradores das nações de Oyo e Ketu, foi iniciado aos sete anos e aqui na Terra se tornou o Sumo Sacerdote Alapini — Ipekun Oye — a mais alta hierarquia no culto aos ancestrais — Culto dos Egungun.
Didi nasceu em Salvador, descendente direto de africanos. Sua mãe, Maria Bibiana do Espírito Santo, mais conhecida como Mãe Senhora, foi uma grande dama, uma reconhecida Iyalorixa, condutora durante 30 anos de uma das mais sérias e tradicionais comunidades da Bahia — o Ilê Axé Opó Afonjá. Seu pai, mulato elegante, era alfaiate, naquela época considerada uma profissão de categoria. Gostava de vestir esmeradamente o filho.
Mestre Didi realiza a continuidade Brasil-África a partir do histórico de sua própria família Asipá, reencontrada após cinco gerações em Ketu. Sua família no Brasil já era reconhecida como uma das mais antigas linhagens da tradição Nagô.
Ele se sobressai na expansão sociocultural e religiosa do povo de santo na Bahia. O ponto culminante do reencontro se deu quando, na República do Benin, no Palácio de Ketu, após o reconhecimento do Alaketu, rei de Ketu, e recitado o seu Oriki, Mestre Didi foi apresentado aos parentes Asipá e convidado a conhecer o Ojubo Ode, o assentamento de Oxossi, patrono da família e das comunidades Ketu na Bahia.
Esses contatos intercontinentais do povo de santo foram possíveis muito pelo empenho do casal de antropólogos Ieda e Guilherme Castro e o dublé de pai-de-santo e antropólogo Júlio Braga, que se doutoraram naquele continente.
Em outras viagens a África, Mestre Didi, o Alapini, sacerdote supremo ao culto aos Egungun, o mais antigo descendente da linhagem dos Asipá no Brasil, confirmou o título de Bale Xangô no Palácio do Oyo, na Nigéria. Ainda pela sua ascendência, o rei de Ketu lhe conferiu o alto título de Baba Mogba Oga Oni Xangô no seu Palácio na cidade de Ketu na República de Benin, ex-Daomé.
Quando a Prefeitura de Salvador criou o seu “Itamaraty” particular e estabeleceu conexões internacionais, na inauguração da Casa do Benin no Pelourinho grande entourage veio à Boa Terra, incluindo reis, rainhas e príncipes negros.
Entre outras homenagens lhe prestadas, Mestre Didi recebeu a Comenda do Mérito Cultural Brasileiro, outorgada pelo Presidente da República através do Ministério da Cultura, significativa honraria àqueles que se destacam no panorama cultural nacional.
Em 1980 o Alapini fundou o Ilê Asipa onde é cultuado o Baba Olukotun e demais Eguns desta tradição antiga. Didi trouxe este misterioso culto praticado na Ilha de itaparica para Salvador, no seu terreiro no bairro de Patamares, onde também residia.
Tive a oportunidade de visitar este Ilê e participar de um ritual aos mortos na significativa data de 2 de novembro, levado pela amiga Lucia de Ogun, ekede de santo.
Na minha vida espírita, onde vi e vivi vários fenômenos extra-sensoriais e extracorpóreos — inimagináveis e impensáveis aos incrédulos materialistas — fui surpreendido pela magnanimidade do evento e do que lá ocorria. Participar de um ritual deste é uma experiência única. Pude assistir os babás se manifestarem, dançarem e palestrarem em ioruba arcaico, dando preleções de cunho moral para a comunidade presente. O invisível se apresentar em ricas indumentárias e dar lições de teor disciplinar e educativo para todos os presentes, principalmente para as crianças, que são colocadas nas fileiras de frente.
E que falar dos “assustadores” espíritos não-doutrinados, espíritos sem luz que transitam às carreiras pelo espaço sagrado, ao longo de todo ritual. Espíritos travessos, na maioria das vezes. Experiência impar, inesquecível.
Regendo tudo isso estava o maestro Didi, com sua suprema autoridade sobre vivos e mortos — principalmente os mortos. Daquele dia em diante passei a designá-lo como o “rei dos mortos”.
Ao término da função religiosa tive a honra de ser apresentado ao Alapini e sua consorte, a antropóloga Juana Elbein dos Santos. Lembrei do seu definitivo livro sobre o assunto, “Os nagô e a morte”. Juanita riu e disse que dos inúmeros livros que publicou, era deste que sempre lhe falavam.
Provecto senhor, aos 95 anos de idade Didi foi chamado ao reino de Olorum. Ele foi Alapini aqui na Terra e hoje é Babá no mundo espiritual.
Lá de onde estás, olhai por nós, Mestre, que ainda permanecemos neste vale de lágrimas.
Viva Egun, Babá Alapalá!
Aganju, Xangô
Alapalá, Alapalá, Alapalá
Xangô, Aganju
O filho perguntou pro pai:
“Onde é que tá o meu avô
O meu avô, onde é que tá?”
O pai perguntou pro avô:
“Onde é que tá meu bisavô
Meu bisavô, onde é que tá?”
Avô perguntou bisavô:
“Onde é que tá tataravô
Tataravô, onde é que tá?”
Tataravô, bisavô, avô
Pai Xangô, Aganju
Viva Egun, Babá Alapalá!
Aganju, Xangô
Alapalá, Alapalá, Alapalá
Xangô, Aganju
Alapalá, egun, espírito elevado ao céu
Machado alado, asas do anjo Aganju
Alapalá, egun, espírito elevado ao céu
Machado astral, ancestral do metal
Do ferro natural
Do corpo preservado
Embalsamado em bálsamo sagrado
Corpo eterno e nobre de um rei nagô
Xangô
*Juarez Duarte Bomfim, sociólogo e mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), doutor em Geografia Humana pela Universidade de Salamanca, Espanha; e professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).
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