“Restaurar a legalidade, revigorar a democracia, restabelecer a paz e promover o progresso e a justiça social.” À primeira vista, a frase poderia ser associada a algum pacifista ou ferrenho defensor do regime democrático, mas foi proferida pelo marechal Humberto de Alencar Castello Branco (1897-1967) em discurso de posse na Presidência da República em 1964, depois que um golpe depôs, pela via armada, um governo eleito pelo povo.
A longa noite
O ano de 2019 marca os 55 anos do Golpe Civil-Militar de 1964. Ele é, também, conhecido como Golpe de Estado no Brasil e designa o conjunto de eventos ocorridos em 31 de março de 1964, que culminaram, no dia 1ª de abril de 1964, com a implantação de uma Ditadura Civil-Militar. Episódio político que recebeu apoio de setores da elite e da classe média, cuja finalidade foi tomar o poder do governo progressista do presidente democraticamente eleito João Goulart, também conhecido como Jango. O Golpe de 1964 contou com o apoio financeiro e militar das autoridades dos Estados Unidos e os articuladores romperam com as facções democráticas e promoveram o fechamento do regime político.
O assunto volta a ganhar força não apenas pela demente e esquizofrênica tentativa do presidente Jair Bolsonaro comemorar o Golpe, mas, também, pela tentativa de reescrever a história, transformando bandidos em heróis.
O legado do mal
Destaca-se que após 21 anos da da Ditadura Civil-Militar de 1964, as promessas do general Castello Branco não se confirmaram. O Brasil tinha se tornado uma país de capitalismo dependente, qualificado pelas teorias da época como de Terceiro Mundo, cuja população apresentava acentuado grau de analfabetismo formal e instrumental e cujo Estado tinha sedimentado a desigualdade estrutural como elemento de expropriação permanente da classe trabalhadora, culminado com o processo de alienação histórica, o que não permite que setores da sociedade possam compreender o progressismo político como alternativa para o restabelecimento do Governo do Povo e dos princípios da socialdemocracia como forma de alcançar a prosperidade, através da equidade de classes.
Outro elemento sedimentado no Estado foi a violência estatal contra o própio povo, estrutura social que se manifesta nos negativos indicadores sociais e no elevado número de mortes de civis. Além disso, a corrupção estruturada na relação instituída entre Estado e Capitalistas alcançou novo patamar, sendo apenas combatida durante os governos democráticos de Lula e Dilma Rousseff, quando a Polícia Federal (PF), Controladoria Geral da União (CGU) e Ministério Público Federal (MPF) alcançaram maior autonomia institucional.
Negação da história
O historiador e cientista político Boris Fausto, 88 anos, é autor de estudos clássicos sobre a história do Brasil e foi professor titular do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo. Em entrevista à Pública, ele diz que não havia “ameaça imediata de implantação de um regime comunista” nas vésperas do golpe militar que completa 55 anos na próxima segunda-feira. Segundo ele, as afirmações mais recentes de Jair Bolsonaro sobre a ditadura não são uma “reinterpretação”, mas a “negação de fatos” comprovados na historiografia em documentos, testemunhos e reconhecimento do estado brasileiro dos crimes cometidos no período de exceção (1964 a 1985). Fausto, que também é membro da Academia Brasileira de Ciências, vê o cenário futuro com preocupação. “Andei falando antes das eleições que estávamos na corda bamba, na beira do abismo e não vejo muitas razões para mudar essa sensação. É triste”. Registra reportagem de Thiago Domenici, veiculada neste sábado (30).
A revista Manchete
A edição da revista Manchete sobre o 31 de março de 1964 mostra que a maioria dos protagonistas políticos do Golpe de 1964 apoiaram a derrubada do Governo Goulart, mas a edição da revista não esconde que foi um Golpe na Democracia do Brasil.
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Edição da revista Manchete de 31 de março de 1964
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