Privatização da Casa da Moeda prejudicará o Brasil, dizem debatedores da Comissão Mista do Congresso Nacional

Participantes de audiência na comissão mista da MP 902 apontaram prejuízos econômicos e riscos à soberania do país.
Participantes de audiência na comissão mista da MP 902 apontaram prejuízos econômicos e riscos à soberania do país.
Comissão Mista da Medida Provisória nº 902, de 2019, que acaba com monopólio da Casa da Moeda.
Comissão Mista da Medida Provisória nº 902, de 2019, que acaba com monopólio da Casa da Moeda.

A privatização da Casa da Moeda foi criticada nesta quarta-feira (19/02/2020) em audiência pública interativa na comissão mista encarregada de emitir parecer à Medida Provisória (MP) 902/2019, que acaba com o monopólio da empresa, fundada em 1694, na fabricação de papel-moeda, moeda metálica, passaporte e impressão de selos de controle fiscal sobre a fabricação de cigarros.

O texto estabelece que a exclusividade para a prestação desses serviços acabará em 31 de dezembro de 2023. De acordo com a nova regra, a Casa da Moeda, prestará serviços de integração, instalação e manutenção preventiva e corretiva dos equipamentos dos fabricantes de cigarro e fornecerá o selo fiscal para esses produtos. Essa integração ocorrerá em caráter provisório até 31 de dezembro de 2021.

Complexo industrial

Ex-diretor técnico da instituição tricentenária, Carlos Roberto de Oliveira disse que a Casa da Moeda não é uma gráfica apenas, mas um complexo industrial com função histórica e precípua de atender demandas do Estado por produtos seguros, em sua quase totalidade composto por matérias primas, processos e matrizes inacessíveis ordinariamente pelo mercado.

Oliveira destacou que a Casa da Moeda contempla diversas disciplinas, funções e profissões, algumas das quais sequer encontradas no mercado do trabalho, e desenvolvidas pelos próprios mestres e artífices da instituição, que repassam sutilezas de suas atividades, como forma de agregar as tecnologias possíveis para manter a empresa à frente do processo industrial.

Oliveira ressaltou ainda que a empresa atende as demandas com qualidade, tempestividade e segurança em todos os produtos e serviços, sempre tendo em conta o respeito pelo “triangulo da segurança”, que inclui matérias primas seguras, processo de fabricação complexo e projetos e matrizes exclusivas.

A Casa da Moeda, fundada há mais de três séculos, vem cumprindo sua missão institucional. Somos detentores de conhecimento que poucos países têm. Somos respeitadas no mundo por nossa seriedade, qualidade e segurança em nossos produtos e processos. Temos tecnologia e capital intelectual para fabricar e exportar cédulas e moedas para qualquer país, como Argentina, Peru, Venezuela, Bolívia, Costa Rica, República do Congo, Paraguai e outros. Somos premiados em diversas modalidades de arte e técnica. Estamos ainda adequadamente equipados tecnologicamente para continuar cumprindo a nossa missão. Será que o Brasil está disposto a correr o risco de importar dinheiro com base em possível custo de oportunidade? — questionou.

Demanda por dinheiro

Diretor da Sociedade Numismática Brasileira, Bruno Henrique Miniuchi Pellizzari destacou que uma das principais razões que levaram à criação da Casa da Moeda foi a necessidade de existir uma instituição nacional que conseguisse suprir a demanda de meio circulante para um país de dimensão continental. A demanda por dinheiro no Brasil não parou de crescer com o passar dos anos, tendo atingido picos altíssimos durante os períodos de descontrole econômico, como foi no caso das trocas sucessivas de planos monetários durante a época inflacionaria, afirmou.

Pelo aumento dessa demanda, foi transferida a sede da Casa da Moeda, em 1984, para o complexo fabril de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, considerado um dos maiores do gênero no mundo e o maior da América Latina, com capacidade para produzir três bilhões de cédulas e quatro bilhões de moedas por ano, explicou Pellizzari.

Uma descentralização da produção de dinheiro pode levar à fragilização do meio circulante, no caso de tentativa de sabotagem à nossa economia. Outro risco diz respeito a instabilidades no país produtor do dinheiro. Fatores como esse podem levar a desabastecimento no Brasil. Todos as dez maiores economias globais possuem Casas da Moeda estatais, como é o caso dos Estados Unidos, China, Japão, Alemanha, Índia, Reino Unido, França, Itália e Canadá, possuindo essas, em quase a sua totalidade, exclusividade para a confecção das moedas e cédulas do meio circulante de seus respectivos países — afirmou.

Pellizzari apontou ainda uma preocupação global sobre o futuro de algumas empresas que fornecem dinheiro para outros países, como a Delarue, “que durante várias décadas forneceu ao Brasil e agora lança dúvidas sobre a sua capacidade de continuar operando”.

Patrimônio histórico

Presidente do Sindicato Nacional dos Moedeiros, Aluízio Firmiano da Silva Júnior disse que os trabalhadores da Casa da Moeda jamais pensaram que a empresa, que em 8 de março fará 326 anos, estaria hoje correndo o risco de privatização ou descontinuidade na prestação de serviços essenciais ao Estado.

Os trabalhadores da Casa da Moeda estão todos tensos. Esse processo vai além da nossa questão corporativa, o que estamos discutindo e o Estado brasileiro e o papel que a empresa teve nos últimos 300 anos e aquilo que poderá acontecer se a gente não tiver o cuidado de preservar esse patrimônio e essa empresa que cuida da segurança nacional, que até dá lucro, mas que poderia não dar pela importância de seu trabalho. Soberania não se vende, soberania você preserva, o mundo preserva e o Brasil não pode andar na contramão do mundo — afirmou.

Soberania

Advogado da Casa da Moeda, Rodrigo da Silva Ferreira disse que a maioria dos 190 países reconhecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) importam dinheiro, e somente 50 nações mantêm impressoras estatais.

Todos os países de maior liberdade econômica mantêm estatais para a fabricação de dinheiro. Soberania monetária envolve direito e um poder de fato. Ela abrange o direito de emitir, o direito de definir o valor e mudar o valor do dinheiro, e o direito de definir como se dará o uso do dinheiro no território e fora do território.

Ferreira destacou ainda que “importar moeda não é confiar no mercado privado, é basicamente confiar em governo estrangeiro”.

Nenhum país dentre as grandes economias importa moeda, só o Brasil. E por que isso? A capacidade do setor comercial é insuficiente para os grandes países, é um risco elevadíssimo para uma política interna de Estado eventualmente comprometer a capacidade de outro Estado de emitir moeda metálica — afirmou.

Falsificação

Diretor da Associação Brasileira de Combate à Falsificação que congrega 70 indústrias nacionais, Rodolfo Ramazini destacou que o Brasil perdeu R$ 160 bilhões com contrabando e falsificação de produtos industrializados, em 2019, sobretudo no setor de cigarros e bebidas. Com o desligamento do Sistema de Controle da Produção de Bebidas (Sicob), a Casa da Moeda perdeu mais de R$ 700 milhões anuais, somente no que diz respeito ao setor de bebidas. Com isso, passou a prevalecer a falsificação, a fraude e a sonegação fiscal, ressaltou.

Na avaliação do senador Jean Paul Prates (PT-RN), a Casa da Moeda é uma empresa indispensável ao Estado brasileiro.

É uma falácia quando se diz que a atividade da Casa da Moeda é ultrapassada e que caminhamos para um mundo sem moedas. É outra falácia dizer que a Casa da Moeda seria ineficiente e um sorvedouro de dinheiro público. Ela é inseparável do Estado brasileiro, é um braço do Estado brasileiro, e não uma subsidiária. A Casa da Moeda é ‘imprivatizável’. Alguém tem interesse nesse mercado bilionário — afirmou.

A comissão mista da MP 902/2019 é presidida pela deputada Benedita da Silva (PT-RJ). O senador Nelsinho Trad (PSD-MS) é o relator da MP, cujo prazo de vigência, já prorrogado, expira em 14 de abril.

Banner da Prefeitura de Santo Estêvão: Campanha do Concurso Público de 2024.
Banner da Campanha ‘Bahia Contra a Dengue’ com o tema ‘Dengue mata, proteja sua família’.
Banner da Prefeitura de Santo Estêvão: Campanha do São João 2024.
Sobre Redação do Jornal Grande Bahia 142243 artigos
O Jornal Grande Bahia (JGB) é um site de notícias com publicações que abrangem as Regiões Metropolitanas de Feira de Santana e Salvador, dirigido e editado pelo jornalista e cientista social Carlos Augusto.