Salvador: Especialistas confirmam que nível de tortura no país ainda é alto e responsabilização baixíssima

Prática que marca a história do Brasil desde os primórdios da sua civilização, a tortura ainda não foi banida do cenário do país, que, segundo especialistas, registra “baixíssimos” índices de responsabilização dos torturadores. Somente nos últimos três meses, 540 denúncias partiram do sistema carcerário, unidades de medidas socioeducativas e locais em que pessoas se encontram em privação de liberdade para a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, informou o ouvidor-geral Bruno Teixeira na manhã de hoje (27/04/2011), durante a abertura do ‘Curso de Capacitação em Perícia Forense’ direcionado a membros do Ministério Público estadual e integrantes Comitê Estadual de Combate à Tortura da Bahia. Segundo ele, 60% dessas denúncias são relativas às unidades prisionais e 34% às delegacias do país; “números excessivos que indicam que precisamos atuar cada vez mais juntos e organizados para, primeiro, retirar a vítima da situação vulnerável em que ela se encontra e, segundo, responsabilizar o agente torturador”.

Para o diretor de Defesa de Direitos Humanos da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa de Direitos Humanos, Fernando Mattos, “a impunidade alimenta a violência e, por isso, vários agentes públicos torturam pessoas neste país”. A tortura, algo que era cotidiano durante a inquisição, é registrada, por exemplo, nas situações de trabalho escravo que não se findaram mesmo após a abolição. Anualmente, disse ele, mais de 5 mil pessoas são retiradas da condição análoga a de escravos no Brasil. Além disso, ressaltou Mattos, desde a ditadura militar, agentes públicos praticam tortura e continuam ainda hoje a fazê-lo, acreditando que não serão punidos, pois “as tentativas de controle externo ainda são extremamente tímidas”. De acordo com ele, relatório sobre tortura produzido pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Deputados indica que, entre os anos de 2001 e 2004, o Disque Tortura recebeu 2.532 alegações de tortura e crimes correlatos, sendo 36,8% praticada para obter informações e confissões. A maioria das vítimas do ato nefasto, assinalou o palestrante, são negros, pobres e com baixo nível de escolaridade. Mas nós, conclamou ele, “por obrigação de consciência ou profissional, temos o dever infestável de buscar a responsabilização dos torturadores”. A busca pela elucidação da tortura deve independer da situação, do objetivo dela, de quem é a vítima ou o torturador, concluiu Fernando Mattos.

Também integrando a mesa de abertura do curso de capacitação, o representante do Comitê Estadual para Prevenção e Enfrentamento à Tortura na Bahia, Joviniano Neto, destacou que um dos maiores avanços da Constituição Federal de 1988 foi instituir o Ministério Público mais do que como defensor do Estado, mas como defensor da sociedade, pois, nos casos de tortura, muitas vezes é preciso atuar contra os próprios agentes públicos. Porém, frisou ele, mesmo com vários mecanismos legais que tipificam e possibilitam o combate a este tipo de crime, a sociedade ainda pactua com a violência. Isso ocorre, por exemplo, quando programas de televisão difundem a ideia de que violência se combate com violência e, de maneira disfarçada, ratificam a tolerância com a tortura praticada contra os “pretos, pobres e da periferia”, alertou Joviniano Neto. Essas pessoas, complementou a coordenadora de Gestão, Monitoramento e Avaliação da Política em Direitos Humanos da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, Maria Aparecida Tripodi, não têm noção das sequelas da tortura, não sabem que elas ultrapassam o tempo, causando, por vezes, danos irreparáveis. O que a sociedade precisa, alertou ela, “é adotar repúdio a essa prática degradante”. Quem sabe um dia, com a mobilização social e apoio do MP, o slogan ‘Tortura nunca mais’ deixe de representar um anseio, uma cobrança e passe a representar a constatação de um fato histórico: “tortura não ocorre mais no Brasil”.

Compondo também a mesa de abertura do evento que se desenvolve até a próxima sexta-feira, dia 29, e contou com a participação do ouvidor-geral do Sistema de Segurança Pública do Amazonas, Aloísio Lima, os coordenadores do Centro de Estudo e Aperfeiçoamento Funcional do MP (Ceaf), promotor de Justiça Márcio Fahel, e do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça Criminais, promotor de Justiça Júlio Travessa, destacaram o alto nível dos palestrantes. Realizada pela Coordenação-Geral de Saúde Mental e Combate à Tortura, através do seu Grupo Multidisciplinar de Peritos Independentes da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em parceria com o MP e o Comitê Estadual de Combate à Tortura da Bahia, a capacitação apresentará aos inscritos palestras sobre “Proibição da Tortura no Direito Internacional dos Direitos Humanos e Aspectos Políticos da Tortura”, com a representante do Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU e coordenadora de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro, Margarida Pressburger; “Perícia em Local de Crime de Tortura e Morte sob Custódia”, ministrada pela perita criminal da Força Nacional de Segurança Pública e do Instituto Geral de Perícias do Rio Grande do Sul, Heloisa Kuser; “Perícias Médico-Legais em Casos de Tortura e Mortes sob Custódia”, pela médica-legista Débora Vargas. O professor de medicina legal e criminologia da Academia de Polícia de São Paulo, o médico-legista Jorge Paulete Vanrell apresentará um estudo de casos e a psicanalista consultora da Association Pour la Prevention de la Torture (APT), Tânia Koller, encerrará a capacitação com indicadores e flagrantes de tortura psicológica e abordando “Aspectos Sociais e Políticos da Tortura”.

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