Brasileiros relatam lado amargo do ‘sonho’ americano

Tereza Lee e Felipe Matos relatam o lado amargo do “sonho americano” com conhecimento de causa.

Ela é filha de imigrantes sul-coreanos que trocaram um país em guerras pelo Brasil. Nasceu e morou até os dois anos em São Paulo, quando sua família tentou recomeçar a vida pela segunda vez, mudando-se para Chicago.

Ele foi criado na Baixada Fluminense em meio à pobreza e à falta de perspectiva e, depois, mandado para Miami com um visto de turista aos 14 anos de idade.

A família de Tereza vivia em Chicago em um porão sem água nem aquecimento. Os banhos eram regados a água fervida e o espaço era dividido com ratos.

Como pagar os estudos universitários era impensável, a menina viu na música uma saída. “Comecei a tocar piano porque não podia continuar os estudos”, diz Tereza. “Eu decidi ensaiar tanto, mas tanto, achando que um dia isso me traria sucesso.”

Com bolsas de estudos particulares, conseguiu se matricular em uma escola de música em Chicago e depois em uma faculdade de música em Nova York.

Foi a diretora artística da sua primeira escola que se compadeceu da situação da aluna e fez contato com um senador do Estado de Illinois, Dick Durbin.

Ele viria a apresentar, poucos meses depois, o Dream Act, reforma migratória inspirada na história de Tereza e de dois outros alunos.

A primeira audiência pública da lei estava marcada para o dia 12 de setembro de 2001, em Washington. Um dia antes, dois aviões se chocaram contra as Torres Gêmeas, em Nova York, e o projeto foi para a gaveta temporariamente.

Crise

“Depois do 11 de Setembro, fiquei devastada. Não sabia o que fazer”, diz Tereza. A situação piorou depois que sua mentora, que havia ligado para o senador Durbin, morreu em um acidente de carro envolvendo um motorista bêbado.

“Naquele momento, pensei em suicídio. Para dizer a verdade, passei a considerar se era melhor me matar ou me autodeportar para o Brasil. Cheguei a comprar um livro de US$ 3 para aprender um pouco de português.”

Felipe também relata uma infância de pobreza e falta de perspectivas. “Minha família é humilde, e eu cresci em Duque de Caxias (RJ), sem asfalto nem água e em uma casa pequenina”, contou.

A sua “descoberta” da ilegalidade veio após o fim da escola secundária. Sem os papéis, ele não podia pleitear bolsas de estudo para ir à universidade.

Diga-se que o jovem, hoje graduado em Economia e Administração, sempre deixou clara a inclinação para os estudos.

Enquanto trabalhava horas extras como garçom para pagar os dois primeiros anos da faculdade, conseguiu notas tão boas que figurou no ranking dos 20 melhores alunos de faculdades públicas de todo o país.

O histórico e a perseverança lhe garantiram uma bolsa privada para cursar os dois últimos. Mas a falta de papéis ainda era um empecilho para o seu crescimento e o crescimento de outros colegas ao seu redor.

Como protesto, em 2010, junto com outros três amigos, Felipe caminhou os cerca de 2,4 mil quilômetros que separam Miami de Washington para pedir a aprovação do Dream Act.

Chegando na capital americana, o jovem foi informado de que o presidente Barack Obama só se reuniria com ex-imigrantes ilegais, e não com pessoas atualmente indocumentadas.

Sem ressentimentos

Apesar dos altos e baixos, Tereza e Felipe hoje se consideram bem-sucedidos.

Em 2005, Tereza conheceu seu marido, americano. Mas ela diz que a causa dos “sonhadores” ainda lhe é “muito pessoal” e por isso não hesita em contar sua história para os jornalistas.

Felipe é hoje um ativista político proeminente. E não apenas pelos direitos dos imigrantes, mas também dos homossexuais.

Apesar de ter se casado em Massachusetts – Estado que permite o casamento gay – com um homem que no ano que vem terá a cidadania americana, ele ainda precisa se candidatar ao visto de trabalho temporário, já que o casamento entre pessoas do mesmo sexo não lhe dá esse direito.

Nem um nem outro sente ressentimento do país onde enfrentaram tantas dificuldades.

“Embora eu tenha sido muito mal tratado, ao mesmo tempo em recebi muita bênção por ter morado aqui”, disse Felipe.

“Tive oportunidade de aprender inglês, espanhol e até de ir para a faculdade. A muito custo. Mas sinceramente acho que em certos países é quase impossível uma pessoa pobre conseguir fazer o que fiz.”

Já Tereza se define como “uma cidadã americana com orgulho”. “Cresci aqui, este é o único país que conheço, jurei a bandeira todo dia”, diz.

A jovem pianista diz que quer ir às Olimpíadas de 2016 no Rio e gosta da ideia de tocar na Sala São Paulo, não muito longe do bairro onde se criou, no centro da capital paulista.

No entanto, quando o assunto é a cidadania, ela sabe onde o seu coração está. “Todo sonhador merece se tornar um cidadão americano, merece tomar parte no sonho americano”, defende. “Ir para a faculdade, trabalhar e contribuir com a América. Todos merecemos.”

*Com informações de Pablo Uchoa Da BBC Brasil em Washington.

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