Raimundo Irineu Serra e Daniel Pereira de Mattos. Mestres ayahuasqueiros e amigos. Deste mundo à eternidade.

Baiano de Salvador, Juarez Duarte Bomfim é sociólogo e mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), doutor em Geografia Humana pela Universidade de Salamanca, Espanha; e professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).
Baiano de Salvador, Juarez Duarte Bomfim é sociólogo e mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), doutor em Geografia Humana pela Universidade de Salamanca, Espanha; e professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).

Raimundo Irineu Serra (1892-1971) era conhecido na cidade de Rio Branco-Acre como um líder comunitário que fazia trabalhos espirituais usando Daime (ayahuasca), uma bebida de origem indígena de poderes inacreditáveis.

Curandeiro para alguns, feiticeiro para outros, o que Irineu Serra de fato se constituía era em amigo, padrinho e mestre da sua gente, uma comunidade humilde que o acompanhava no seu misterioso culto.

Irineu Serra era cliente da barbearia de Daniel Pereira de Mattos (1888-1958), negro maranhense como ele. Daniel passava por problemas físicos e psíquicos decorrentes de abuso do álcool, e Mestre Irineu resolve ajudá-lo. O convida para um tratamento físico e espiritual onde se situava a sua residência e sede de serviços, na Vila Ivonete.

Entregue à bebida e à doença, Daniel não reúne forças para lá se dirigir sozinho. Sabedor disso, Irineu manda alguns companheiros trazê-lo, e a primeira vez que Daniel adentra o recinto de cura do seu amigo e futuro mestre é desfalecido, deitado numa carroça puxada a boi, na qual foram buscá-lo.

Foi aí, no ano de 1937, que Daniel tomou o Daime pela primeira vez, pelas mãos do Mestre Raimundo Irineu Serra. Dá-se início a graça da sua cura.

Na miração Deus fez com que Daniel experimentasse esse sagrado estado mental, imerso na paz curativa. A alegria divina o elevou em Espírito. Ao sobrevir o profundo êxtase de Deus os pensamentos se aquietaram, banidos pelo comando mágico da alma. Ao beber a bem-aventurança Divina, Daniel experimentou uma embriaguez de alegria que nem mil goles de álcool poderiam proporcionar.

A miração — estado de superconsciência revelado pelo Daime — é o estado de comunhão com Deus, quando se transcende a consciência do ego e se percebe o seu ser como Espírito, feito à imagem do Divino. A consciência expandida levou Daniel ao despertar da sua destinação espiritual, e começar a compreender a Missão que lhe era reservada.

O Alto Santo

No ano de 1945 o Mestre Raimundo Irineu Serra se transfere da Vila Ivonete para as terras do antigo Seringal Espalhado — a Colônia Custódio Freire. Terras doadas pelo governo do Estado ao Padrinho Irineu. Sua irmandade trabalhadora o segue, para a labuta no campo. Este lugar, que se chamava Alto da Santa Cruz será rebatizado de Alto Santo.

O Mestre Irineu para lá transferiu os seus trabalhos espirituais com o Daime e o primeiro hinário na nova sede de serviços acontecerá na noite de São João.

Corria o mesmo ano de 1945 e, ao término de um trabalho de Concentração, Daniel, que vinha tomando uma pequena quantidade diária de Daime para o tratamento de saúde, pediu permissão ao Mestre Irineu para tomar um copo cheio.

— Sei que nesse Daime, nessa bebida, eu tenho possibilidade de compreender as visões e sonhos que me acompanham desde a infância.

Quando a força chegou, ele teve uma visão, uma miração: romperam-se os céus e de lá desceram dois esplendorosos Anjos que, por ordem do Pai de Bondade e da Virgem da Conceição, lhe entregaram um Livro Azul e lhe falaram do cumprimento de uma missão.

Daniel rogou a Deus e a Virgem Maria que lhe mostrassem o significado daquela mensagem. Então apareceu um soldado celestial com o mesmo Livro Azul nas mãos e lhe entregou dizendo:

— Aqui está a Missão que tens que cumprir. Deste mundo à eternidade. A sua Missão está neste livro. Fé.

O mensageiro de Deus lhe disse também que ele deveria sair dali, pois aquela não era a sua linha espiritual.

Ao sair do transe, Mestre Irineu lhe perguntou:

— Aonde é que tu andava, Daniel, que espiritualmente te procurei e não te encontrei?

— Padrinho Irineu, a minha Mãe me entregou uma Missão espiritual.

Aí ele contou ao Mestre Irineu a miração que teve. Este lhe aconselhou a fazer o que tinham lhe ordenado, pois ele estava recebendo uma Missão e tinha que cumprir.

Daniel pediu a permissão, benção e o apoio do Mestre Irineu para iniciar a sua Missão Espiritual aqui na Terra. Do Padrinho Irineu ele recebeu a licença, a benção e os primeiros cinco litros de Daime usados na abertura das suas obras de caridade.

Dentro da Santa Luz, Daniel foi recebendo os salmos sagrados do Livro Azul. Com a sua rabeca entoava as melodias. Assim surgiu a Doutrina do Daime de Mestre Daniel Pereira de Mattos.

A amizade, admiração e respeito mútuo entre esses dois mestres ayahuasqueiros, irmãos de cor e conterrâneos maranhenses, vai durar neste mundo até o desencarne de Daniel — no ano de 1958 — e continua por toda a eternidade.

Introdução da música instrumental na Doutrina de Mestre Irineu

Daniel Pereira de Mattos foi discípulo de Mestre Irineu de 1937 a 1945. Na condição de alfabetizado, será secretário do Tatwa Centro de Irradiação Luz Divina, futuro Centro de Iluminação Cristã Luz Universal — CICLU Alto Santo.

Daniel Pereira será também o primeiro músico da Doutrina. Com sua rabeca, tocava lindas e melodiosas valsas nas concentrações. Parte das concentrações era realizada em silêncio meditativo, e a outra metade abrilhantada pela música de Daniel.

Quando Daniel sai para fundar o Centro Espírita e Culto de Oração “Casa de Jesus – Fonte de Luz”, a Doutrina de Mestre Irineu fica carente de músicos. Daí surge a ideia de formar o primeiro conjunto musical para embelezar a cantoria dos hinários bailados.

Seu Júlio Carioca compra bandolim e cavaquinho para a sua esposa Lourdes; o Mestre Irineu entrega 8 mil-reis na sua mão e pede para ele comprar um violão para a jovem Peregrina, sua consorte.

Vai surgindo o primeiro grupo musical: Raimundo Gonçalves no banjo; Maria Laurinda, Jovita Gomes, Adália Grangeiro e Tolentino — todos com violão. Enoque no bandolim e João Serra no pandeiro. E mais: o casal Júlio e Lourdes Carioca, Peregrina Serra e Maria Zacarias.

Nos ensaios, Irineu Serra ditava o ritmo da música com o seu maracá. Frente as dificuldades que surgiam, Mestre Irineu instruía os seus discípulos a se concentrarem e invocarem o Mestre Daniel Pereira de Mattos, já falecido, a vir ensiná-los a tocar os instrumentos musicais.

Lourdes Carioca conta que, em miração, no desprendimento corpóreo volitou (viagem astral) em direção ao Cemitério São João Batista, na região central da Cidade de Rio Branco, onde Daniel estava enterrado.

No caminho, já nas proximidades da Necrópole, encontrou com um grande e luminoso ser. Era o Mestre Daniel Pereira de Mattos, o Frei Daniel, que vinha em seu auxílio.

Mestre Daniel a convidou para entrar num lindo salão encantado, numa das moradas do Divino Pai Eterno. Era o Castelo do Monte Azulado, sede mítica desta linda Missão de Luz — a Missão de Daniel.

Lá no Castelo Azulado foram dadas as fundamentais aulas musicais. Cada nota musical, cada dedilhar dos dedos nas cordas do violão vinham acompanhados por lindos pingos de ouro, formosos pingos de luz.

Assim está contada a história da introdução da música instrumental na Doutrina do Mestre Raimundo Irineu Serra. Com o auxílio e apoio do seu irmão amigo, por toda a eternidade, Mestre Daniel Pereira de Mattos.

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Baiano de Salvador, Juarez Duarte Bomfim é sociólogo e mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), doutor em Geografia Humana pela Universidade de Salamanca, Espanha; e professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Tem trabalhos publicados no campo da Sociologia, Ciência Política, Teoria das Organizações e Geografia Humana. Diversas outras publicações também sobre religiosidade e espiritualidade. Suas aventuras poético-literárias são divulgadas no Blog abrigado no Jornal Grande Bahia. E-mail para contato: juarezbomfim@uol.com.br.

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