A ressurreição de Luiz Gonzaga, lá nos seringais do Acre | Por Juarez Duarte Bomfim

Ressurreição de Lázaro. 1889-90. Por Van Gogh, atualmente no Museu Van Gogh, em Amsterdã.
Ressurreição de Lázaro. 1889-90. Por Van Gogh, atualmente no Museu Van Gogh, em Amsterdã.

Fala Txai Antônio Macêdo: “quando meu pai Raimundo chegou já eram 3 horas da tarde, os carpinteiros haviam feito o caixão mortuário e já até tinham colocado o corpo do meu irmão (Luiz Gonzaga) dentro do caixão, já haviam queimado várias libras de velas colocadas num pires nas mãos do meu irmão.

“Naquele dia chorei muito sentado no meio de uma touceira de banana, perto do terreiro da nossa casa. Quando meu pai chegou ao terreiro eu corri para abraçá-lo e subi para a casa junto com ele”.

Seu Raimundo então levantou as mãos para o Céu e rogou para que o filho se levantasse…

O Planeta Acre

Este que vos escreve cunhou, já há alguns anos, a expressão ‘Planeta Acre’, quando carinhosamente conta algum causo daquele querido Estado brasileiro. O uso do substantivo próprio Planeta é valorativo e significa que o Acre é um universo em si,  uma totalidade, com características peculiares de originalidade.

Hoje, esta expressão – Planeta Acre – virou nome de loja de shopping, de grife de moda, é usada por terceiros, comentada nas redes sociais etc. Mas… o pai da criança, salvo prova contrária, sou eu!

Acontece que vivo fazendo declarações de amor ao Acre, que escolhi como minha pátria afetiva, ou melhor, mi patria chica. E para mim, pouco importa que lá, alguns ainda me vejam como estrangeiro, mesmo após mais de duas décadas de aterrissagem naquela distante galáxia. Contra os inimigos, eu estou vestido com as roupas e as armas do Cavaleiro São Jorge.

Acre, mi patria chica (minha pátria afetiva)

Os espanhóis usam um bonito termo para expressar o amor que cultivamos pela nossa pátria afetiva, aquele rincão especial que adoramos viver ou ter vivido, mesmo que dele estejamos temporariamente distante. Distante… como? Se a carregamos no coração?

Cada um de nós tem a sua patria chica, independente de ser ou não nativo daquele lugar. Não importa: é a terra que escolhemos como nosso paraíso terrenal.

A cidade pesqueira de Cojímar, na Baía de Havana, Cuba, é a patria chica de Ernest Hemingway, fonte de inspiração para a sua obra-prima “O velho e o mar”, que lhe rendeu o Prêmio Nobel da Literatura.

Pablo Neruda certa vez versejou sobre a sua Isla Negra natal: “mis alegrías y mis dolores vienen de aquí e aquí se quedarán” (minha alegria e minhas dores vêm daqui e aqui permanecerão). Seu desejo foi satisfeito, pois lá repousam os seus restos mortais.

E qual é a minha patria chica? Bem, a patria chica que eu e a a amada consorte adotamos e escolhemos foi a longínqua e calorenta cidade de Rio Branco, capital do Acre, reino da Florestania.

Juntamos nossas modestas economias e lá adquirimos uma humilde casa de palafita, já há muito tempo, e isso nos deu um sentimento de pertinência ao lugar, mesmo nela permanecendo apenas rápidas – ou às vezes demoradas – temporadas.

Lá no Acre construímos boas e sólidas amizades. E da história de vida dessas ilustres personalidades acreanas tenho contado causos interessantes, que coloco a disposição do leitor.

A ressurreição de Luiz Gonzaga

Vou narrar agora o incrível causo da ressurreição de Luiz Gonzaga. Não, não é o ‘Rei do Baião’, famoso sanfoneiro nordestino. E sim, do menino Luiz Gonzaga Caetano Barbosa, irmão do lendário indigenista acreano Txai Antônio Macêdo.

A família de seu Raimundo (Raimundo Batista de Macêdo) e dona Carminha (Carminha Caetano Barbosa) morava às margens do Rio Muru, na Cidade de Tarauacá – Acre, com seus 13 filhos. A decisão de seu Raimundo de mudar da Colocação (Seringal) para a sede do município aconteceu após o assassinato do seu filho Francisco Manuel, em uma noite de festa no seringal, por motivo fútil. O jovem foi vítima da cultura de violência, manifestada por um rival, enciumado e invejoso do sucesso que o Francisco Manuel fazia entre as jovens mulheres do local, que ele convidava para dançar.

Raimundo Batista de Macêdo e Carminha Caetano Barbosa
Raimundo Batista de Macêdo e Carminha Caetano Barbosa

Seu Raimundo mudou para a cidade, mas continuou na profissão de seringueiro. ‘Cortava’ seringa na Colocação Floresta do seringal Tamandaré, distante 6 horas de viagem da margem do rio, onde residiam.

Fala Txai Antônio Macêdo:

“Um dia que não consigo lembrar, mais foi por volta do ano de 1.958 e eu já contava ali meus 6 anos de idade, meu irmão Luiz Gonzaga Caetano Barbosa tinha 5 anos de idade. Pela manhã minha mãe preparou uma panelada de arroz cozido, colhido do nosso roçado, e nos serviu como café da manhã.

“Meu irmão, que era um ano mais novo que eu, fez o lanche, que se chamava quebra jejum, e em seguida ele caiu no chão espumando pela boca, ficou todo torto e morreu.

Dona Carminha, a aflita mãe do menino, ao ver o filho em convulsão, tentou socorrê-lo com remédios caseiros. Não funcionou. Resignada, disse que aquilo aconteceu porque ele comeu arroz quente e bebeu água logo em seguida. Depois, morreu.

Um homem chamado Lázaro estava doente. Ele era do povoado de Betânia, onde Maria e a sua irmã Marta moravam.

As duas irmãs mandaram dizer a Jesus:

— Senhor, o seu querido amigo Lázaro está doente!

Quando a notícia chegou a Jesus, Ele disse:

— Lázaro morreu.

Porém, o Mestre dos mestres completou:

— O resultado final dessa doença não será a morte de Lázaro. Isso está acontecendo para que Deus revele o seu poder glorioso; e assim, por causa dessa doença, a natureza divina do Filho de Deus será revelada.

Continua Txai Macêdo:

“Meu pai cortava seringa na Colocação Floresta, no centro do seringal Tamandaré, com 6 horas de viagem da margem do rio, onde nos encontrávamos morando.  Um mensageiro nosso foi correndo pela floresta buscar o meu pai para encontrar o filho antes de ser enterrado”.

— O nosso amigo Lázaro está dormindo, mas eu vou lá acordá-lo.

— Senhor, se ele está dormindo, isso quer dizer que vai ficar bom! — disseram eles.

Mas o que Jesus queria dizer era que Lázaro estava morto. Porém eles pensavam que ele estivesse falando do sono natural. Então Jesus disse claramente:

— Lázaro morreu, mas eu estou alegre por não ter estado lá com ele, pois assim vocês vão crer. Vamos até a casa dele.

“Como era distante, quando meu pai Raimundo chegou já eram 3 horas da tarde, os carpinteiros haviam feito o caixão mortuário e já até tinham colocado o corpo do meu irmão (Luiz Gonzaga) dentro do caixão, já haviam queimado várias libras de velas colocadas num pires nas mãos do meu irmão.

“Naquele dia chorei muito sentado no meio de uma touceira de banana, perto do terreiro da nossa casa. Quando meu pai chegou ao terreiro eu corri para abraçá-lo e subi para a casa junto com ele”.

Quando Jesus chegou, já fazia quatro dias que Lázaro havia sido sepultado. Quando Marta soube que Jesus estava chegando, foi encontrar-se com ele.

— Se o senhor estivesse aqui, o meu irmão não teria morrido! Mas eu sei que, mesmo assim, Deus lhe dará tudo o que o senhor pedir a ele.

— O seu irmão vai ressuscitar! — disse Jesus.

Marta respondeu:

— Eu sei que ele vai ressuscitar no último dia!

Então Jesus afirmou:

— Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá; e quem vive e crê em mim nunca morrerá. Você acredita nisso?

— Sim, senhor! — disse ela. — Eu creio que o senhor é o Messias, o Filho de Deus, que devia vir ao mundo.

Seu Raimundo roga pelo filho morto 

De mãos dadas com o pequenino filho Antônio, seu Raimundo entra na sala e vê o corpo morto do outro filho, o Luiz Gonzaga, velado dentro da urna funerária, com uma vela acesa nas mãos, dentro de um pires.

Seu Raimundo então levantou as mãos para o Céu e rogou para que o filho se levantasse…

Esses acontecimentos ocorreram a 64 anos. Antônio Macêdo tinha, à época 6 anos de idade. Hoje, testifica:

“Meu pai levantou as mãos para o Céu e pediu para que ele se levantasse e ele aí acordou do sono da morte e levantou. Eu vi meu irmão acordar do sono da morte, levantar do caixão e marchar ao encontro da minha mãe e do meu pai, todos nós nos abraçamos e aí eu vi glória!”.

— Tirem a pedra! Ordenou Jesus.

Marta, a irmã do morto, disse:

— Senhor, ele está cheirando mal, pois já faz quatro dias que foi sepultado!

Jesus respondeu:

— Eu não lhe disse que, se você crer, você verá a revelação do poder glorioso de Deus?

Então tiraram a pedra. Jesus olhou para o céu e disse:

— Pai, eu te agradeço porque me ouviste. Eu sei que sempre me ouves; mas eu estou dizendo isso por causa de toda esta gente que está aqui, para que eles creiam que tu me enviaste.

Depois de dizer isso, gritou:

— Lázaro, venha para fora!

E o morto saiu. Os seus pés e as suas mãos estavam enfaixados com tiras de pano, e o seu rosto estava enrolado com um pano. Então Jesus disse:

— Desenrolem as faixas e deixem que ele vá. Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá; e quem vive e crê em mim nunca morrerá.

Amém, Jesus, Maria e José.

Antônio Macêdo, ‘Zé da Luz’ (colono) e Luiz Gonzaga
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Luiz Gonzaga, o ressurrecto da história, na idade adulta foi assassinado num garimpo em Rondônia (violência social brasileira)
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Sobre Juarez Duarte Bomfim 726 artigos
Baiano de Salvador, Juarez Duarte Bomfim é sociólogo e mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), doutor em Geografia Humana pela Universidade de Salamanca, Espanha; e professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Tem trabalhos publicados no campo da Sociologia, Ciência Política, Teoria das Organizações e Geografia Humana. Diversas outras publicações também sobre religiosidade e espiritualidade. Suas aventuras poético-literárias são divulgadas no Blog abrigado no Jornal Grande Bahia. E-mail para contato: juarezbomfim@uol.com.br.