Nas primeiras décadas do século XX Salvador ainda mantém sua estrutura colonial, de cidade portuária e comercial, com incipiente desenvolvimento do setor industrial. Não obstante, a cidade continua a expandir-se, e cresce a necessidade de obras urbanas, para a instalação de transportes, iluminação, redes de água e esgoto e para a melhoria do porto.
Na tentativa de transformar a estrutura colonial vigente, o Governador José Joaquim Seabra (1912-1916) promove uma importante reforma urbana na área central de Salvador.
No distrito da Sé realizam-se demolições de parte das edificações da Rua da Misericórdia e da Ladeira da Praça, para o alargamento das ruas; derrubam-se as partes frontais de todas as edificações dos quarteirões (do lado da terra) da Rua Chile até a Praça Castro Alves, que têm suas fachadas reconstruídas no novo estilo em moda (ecletismo e neoclassicismo). Derruba-se também a Igreja da Ajuda, em 1912, para o alinhamento da rua do mesmo nome. O alargamento da Avenida Sete de Setembro se estende por todo o seu percurso, ocasionando o mesmo efeito.
Valiosos exemplares da arquitetura civil, religiosa e pública são demolidos, e as demolições ocorrem de modo pacífico, ante a justificativa de que devem deixar passar o “progresso”. Os proprietários são indenizados, e a reconstrução dos imóveis fica sob sua responsabilidade.
A estética também é um instrumento da construção da nova cidade, de uma nova urbanidade, de uma nova identidade e de uma nova imagem. Os governantes afirmam a necessidade de embelezar as áreas consideradas sem atrativos, com ruas estreitas e sem arquitetura “moderna”. Arquitetos, escultores, pintores e decoradores são trazidos de São Paulo, para a realização de planos e projetos de embelezamento com a construção de novos monumentos e edifícios.
Urbanismo demolidor ou destruição criativa? David Harvey considera que a imagem da “destruição criativa” é “muito importante para a compreensão da modernidade, precisamente porque derivou dos dilemas práticos enfrentados pela implementação do projeto modernista”. E pergunta: “como poderia um novo mundo ser criado sem se destruir boa parte do que viera antes? Simplesmente não se pode fazer um omelete sem quebrar os ovos”.
Será que a “tragédia da modernidade” é ter de destruir para criar? A destruição, a demolição, a expropriação e as rápidas mudanças do uso como resultado da obsolescência são os sinais mais reconhecidos da dinâmica urbana, segundo Harvey. Para ele, Haussmann trabalhando na Paris do Segundo Império (1852-1870) é um modelo da “imagem nietzschiana da destruição criativa e da criação destrutiva”.
É por isso que, dando um passeio pelo Centro de Salvador, do Pelourinho até o Campo Grande, poderemos dizer, parodiando o romancista Stefan Zweig: em dez minutos o visitante pode estar em dois, três, quatro, cinco séculos diferentes e todos parecem genuínos, o velho e o novo, o presente e o passado, o luxuoso e o primitivo, 1600 e 2000, tudo isso reúne-se para formar um todo numa das não já mais tranqüilas, porém das mais agradáveis paisagens do mundo.
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