O Sul como norte | Por Emiliano José

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Curiosamente, os tempos atuais nos levam a uma análise mais cuidadosa em relação aos países do Sul, que tem impressionado o mundo pela capacidade de enfrentar a crise mundial, bem diversa da apresentada pelas nações do Norte, que se tem visto em palpos de aranha, sobretudo porque as medidas tomadas penalizam profundamente os trabalhadores. É doloroso assistir a Grécia, país-berço da democracia, de tantos saberes, tanta filosofia, tanto conhecimento, debater-se numa quase agonia final por conta das chamadas políticas de austeridade, que levam o povo ao desespero.

Participei, recentemente, da banca que examinou o aluno Felippe Ramos, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Mestrado em Sociologia, da Universidade Federal da Bahia. Sua dissertação leva o instigante título “¿Sur o no Sur? – uma genealogia da política externa brasileira para a construção da América do Sul”. Do exame, participaram, ainda, as professoras-doutoras Elza Kraychete, Denise Vitale e Ruthy Nadia Laniado, esta orientadora do excelente trabalho, que levou o pesquisador à condição de Mestre, conforme decisão unânime da banca. A Universidade começa a se debruçar sobre o Sul do mundo, mais atentamente.

Não vou aqui debruçar-me especificamente sobre a dissertação. Darei apenas algumas palavras sobre as relações entre o Brasil e os demais países do que ele denominou América do Sul, contrapondo essa noção ao de América Latina, o que, como dizia eu durante o exame, não é uma operação simples pela força que a idéia de América Latina carrega entre nós. De fato, como dito por Felippe Ramos, a valorização da América do Sul começou, mais recentemente, com o governo de Fernando Henrique Cardoso, mas, neste caso, com um olhar voltado, sobretudo, para o mercado, sem que, com isso, se retire o mérito do esforço integracionista.

O que, creio, cabe destacar, é que há uma mudança efetiva na política externa brasileira sob o governo Lula, e isso é destacado no trabalho. Desde 2003, a política externa brasileira deu uma guinada profunda, voltando-se especialmente para os países da América do Sul, para a África e Ásia, e havia clareza política nessa guinada. A atitude em relação à África – de pedir perdão pelo crime da escravidão de milhões de africanos – é forte pelo simbolismo, pela seriedade com que se encara a história, e por evidenciar que são muitos os genocídios praticados pela humanidade.

A América do Sul passou a ser olhada de outra maneira, e não podemos limitar esse novo olhar apenas aos países do Mercosul – Uruguai, Argentina, Paraguai, além do Brasil. O Brasil passou a se relacionar de modo diferente com todo o Continente, incluindo-se aqui também os países da América Central e do Caribe. A Venezuela, sob Chávez, desde o início, deve muito ao Brasil, principalmente ao governo Lula, sem que se esqueça que também Fernando Henrique Cardoso o apoiou. Não foram aceitas as pressões dos EUA para mudar de política.

Da mesma forma, a política brasileira com a Bolívia e o Paraguai, e aqui, de fato, limitada ao governo Lula, foi, também, bastante diferente. Os vários episódios que podiam indicar conflitos sérios, como queria a direita brasileira, foram resolvidos de modo correto, mesmo que aparentemente o Brasil saísse prejudicado. Cite-se Itaipu, no caso paraguaio, a questão do gás e do petróleo em relação à Bolívia. Houve, de parte do governo brasileiro, a consciência de erros anteriores, algum sentido de reparação.

Creio que há, às vezes, uma visão idealista, que reclama do fato de algumas grandes empresas brasileiras atuarem e serem financiadas pelo BNDES em outros países. Nas condições atuais, sob o capitalismo, vigente em todo o Continente, salvo Cuba, não se excluem as empresas e o mercado. É evidente que uma política de integração reclama muito mais. Inclusive a participação dos diversos movimentos sociais do Continente na consecução dessa política. Como diria o próprio Felippe Ramos, os agentes históricos é que ditarão os próximos passos, que, espero, sejam cada vez mais em direção à integração, à solidariedade da América do Sul, de todo o Sul.

*Emiliano José é jornalista e escritor.

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