Pleno do TJBA confirma ADI contra o Município de Salvador; Desembargador apresentou voto técnico que preserva meio ambiente, direitos coletivos difusos e de minorias da Baía de Todos os Santos

Ao pleno do TJBA, desembargador Baltazar Miranda Saraiva apresentou Síntese Analítica dos Fundamentos Doutrinários que fundamentou o julgamento Ação Direta de Inconstitucionalidade da Lei do Município de Salvador de nº 9.510-2020.
Ao pleno do TJBA, desembargador Baltazar Miranda Saraiva apresentou Síntese Analítica dos Fundamentos Doutrinários que fundamentou o julgamento Ação Direta de Inconstitucionalidade da Lei do Município de Salvador de nº 9.510-2020.

O Pleno do Tribunal de Justiça Estadual da Bahia (TJBA) ao julgar — nesta quarta-feira (01/02/2022) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 8029746-24.2021.8.05.0000 proposta pelo Ministério Público da Bahia (MPBA) contra o Município de Salvador e outros — evitou grave dano ao meio ambiente da capital da Bahia e da Baía de Todos os Santos, contra direitos difusos da sociedade soteropolitana e de minorias que vivem do artesanato, pesca e maricultura no entorno do território marítimo e das ilhas.

Para que o dano permanente provocado a partir de elevada exploração imobiliária de áreas do território de Salvador fosse evitado com a aplicação da Lei nº 9.510/2020, fundamental foi o entendimento do desembargador Baltazar Miranda Saraiva, ao ler a síntese do expressivo voto de dezenas de páginas que disponibilizou para os colegas do Pleno.

Na leitura que realizou, a partir de argumentos técnicos irrefutáveis, existe a plena convicção de que o dano ambiental, aos direitos difusos da sociedade e de minorias é inafastável caso a Lei não fosse decretada inconstitucional.

Em síntese, foi uma demonstração de profundo apreço aos elevados valores da Constituição da República do Brasil e do Estado da Bahia, tendo como fim o interesse público na forma doutrinaria mais pura. Neste aspecto, ao final da leitura da Síntese Analítica dos Fundamentos Doutrinários Legais que manifestou no voto e que é transcrito à integra, com exclusividade para os leitores do Jornal Grande Bahia (JGB), o magistrado contou com o inequívoco apoio do proeminente colega ex-presidente do Poder Judiciário da Bahia (PJBA) Eserval Rocha.

A leitura do texto a seguir, redigido e lido no Pleno do TJBA pelo proeminente magistrado Baltazar Miranda Saraiva é de fundamental ensinamento para todos que defendem os direitos humanos e do meio ambiente.

Síntese Analítica dos Fundamentos Doutrinários Legais apresentado pelo desembargador Baltazar Miranda Saraiva na ADI aprovada contra a Lei nº 9.510/2020 promulgada pelo Município de Salvador

Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, proposta pela Procuradora-Geral de Justiça, a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade da Lei nº 9.510/2020, do Município de Salvador, por entender que viola os artigos 13, 60, incisos IV e V, 64, 167, 168 e 225 da Constituição do Estado da Bahia c/c o art. 29, caput e XII, 37, caput e art. 182, caput e §1º, da Constituição da Município de Salvador, por entender que viola os artigos 13, 60, incisos IV e V, 64, 167, 168 e 225 da Constituição do Estado da Bahia c/c o art. 29, caput e XII, 37, caput e art. 182, caput e §1º, da Constituição da República Federativa do Brasil.

Íntegra dos fundamentos principais da decisão proferida pelo desembargador Baltazar Miranda Saraiva

“As Alterações da Legislação Impugnada Modificaram Áreas de Preservação de Recursos Naturais (APRN) – assim categorizadas pelo próprio Plano Diretor de Desenvolvimento (PDDU).

Ou seja, as modificações ocorreram em áreas de salvador especialmente sensíveis do ponto de vista ambiental. Não foram áreas já totalmente antropizadas, e desprovidas de recursos naturais a serem resguardados.

As áreas de preservação de recursos naturais modificadas foram: APRN do Rio Jaguaribe, APRN de Pituaçu, APRN do Manguezal do Rio Passa Vaca. São áreas quase contíguas, que formam o chamado “corredor verde” de Salvador.

Locais com áreas verdes e remanescentes de Mata Atlântica

A extensa área abrangida pelas modificações, portanto, é vital para o meio ambiente equilibrado e sadio de toda Salvador.

Tiveram mudanças também em outro local sensível do ponto de vista ambiental, e socioambiental: a Ilha dos frades e seu entorno marítimo, Território Pesqueiro de diversas Comunidades da Baía de Todos os Santos.

Essas mudanças em locais sensíveis do ponto de vista ambiental e socioambiental jamais poderiam ter ocorrido sem participação popular e sem estudos técnicos. Não podemos formar um precedente tão perigoso para o meio ambiente sadio e à ordem urbanística de nossa Capital. Perigoso também, em especial, para as comunidades pesqueiras, marisqueiras e tradicionais da Baía de Todos os Santos.

A Constituição da Bahia, como todos sabemos, exige participação popular e estudos técnicos para alterar a legislação urbanística, o PDDU e a Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo do Município (LOUOS).

Para além da inconstitucionalidade formal vislumbrada, há também evidências de inconstitucionalidade material.

As normas impugnadas não parecem proteger com mais rigor o meio ambiente. Pelo contrário, ao que tudo indica, as alterações trazidas com a lei combatida enfraqueceram significativamente a proteção que anteriormente havia para a ordem urbanística e para o meio ambiente de salvador.

Digo isto porque houve supressão de índices construtivos restritivos, anteriormente previstos como forma de proteção.

Ao que tudo indica, os recursos naturais das áreas de preservação do Rio Jaguaribe, de Pituaçu, do manguezal do Rio Passa-Vaca e da Ilha dos frades estão menos protegidas com as alterações legislativas impugnadas.

Os artigos 3, 4 e 5 da Lei impugnada modificaram o art. 7º da lei 8.164/2012 (que integra o pddu de Salvador), extinguindo índices construtivos restritivos anteriormente previstos para o entorno do parque de Pituaçu. Ora, o entorno do parque de Pituaçu é área de relevante interesse ambiental. É preciso cautela e prudência. Não pode simplesmente extinguir índice construtivo restritivo de local tão sensível e vital.

O índice de permeabilidade de 0,40 e o lote mínimo de 1.500,00m², que antes protegiam o entorno de Pituaçu, foram abolidos. Nenhum outro índice construtivo restritivo foi previsto para este local de preservação de recursos naturais.

A exigência de que novos parcelamentos de glebas reservem um percentual mínimo de 20% de áreas verdes no entorno de Pituaçu, anteriormente prevista no art. 7, inciso i, da lei 8.164/2012, também foi abolida pela legislação questionada. Nenhum percentual mínimo de reserva de área verde é exigido para a APRN de Pituaçu com a redação atual do Artigos 5º da lei 9.510/2020.

Isto jamais poderia ocorrer sem qualquer estudo técnico e sem participação popular. Princípios constitucionais ambientais da prevenção, da precaução, do planejamento urbano e da gestão democrática das cidades. Todos, nesta análise de cognição sumária, me parecem violados.

Há fortes evidências de que a área de preservação de recursos naturais do manguezal do rio passa-vaca também está mais desprotegida, pois o art. 6º da lei combatida alterou substancialmente o art. 15 da lei 8.164/2012, que disciplinava com mais rigor a APRN do passa-vaca.

Com tal alteração, a legislação inquinada também extinguiu da APRN do passa-vaca os índices construtivos restritivos de lote mínimo de 1.500m² e de índice de permeabilidade de 0,40.

Ou seja, a um só tempo, a legislação inquinada suprimiu, sem estudos técnicos, normas protetivas ao meio ambiente e à ordem urbanística, em dois locais sensíveis de salvador que comportam áreas verdes e remanescentes de Mata Atlântica.

O afrouxamento de índices construtivos restritivos, com consequente adensamento urbano desordenado, em locais de preservação de recursos naturais, deve ser entendido como ofensa material à constituição do Estado da Bahia.

A redução do índice de permeabilidade reduz a capacidade de absorção da água pluviométrica, gerando maiores riscos de alagamentos, deslizamentos, menor capacidade do solo absorver o calor, menos áreas verdes e mais áreas construídas. Assim, as mudanças promovidas possuem o condão de gerar desenfreado adensamento urbano em áreas de proteção de recursos naturais.

A redução do tamanho do lote mínimo permite a multiplicação do número de casas e edifícios construídos em uma mesma área, adensando urbanamente o local, consumindo seus recursos naturais, incrementando o trânsito, propiciando a formação de ilhas de calor e podendo ocasionar o aumento da temperatura, com sensação de desconforto térmico para seus habitantes.

Estamos falando de mais congestionamentos, mais calor, menos áreas verdes, menos áreas de absorção. Tudo sem estudos técnicos ou participação popular.

A legislação impugnada, em seus artigos 5º, 7º e 8º, disciplinou ainda a APRN do Rio Jaguaribe, definindo seu zoneamento e os índices construtivos de cada zona estabelecida (índice de ocupação máxima, lote mínimo, índice de permeabilidade). Tudo, mais uma vez, sem estudos técnicos e sem participação popular.

Relembro que se fizermos uma análise global, conjunta das alterações, constataremos que Pituaçu, Jaguaribe e o manguezal do passa-vaca formam um corredor verde em salvador. Formam boa parte do que restou de área verde e de remanescentes de mata atlântica em nossa capital.

E, em relação à ilha dos frades e ao seu entorno marítimo, as alterações legislativas combatidas (artigo 9º da lei 9.510/2020) também justificam o deferimento da medida liminar.

O §1º do art. 9º da lei 9.510/2020 estabeleceu a proibição de coleta de caranguejos, gaiamuns e siris. A proibição de pesca de polvo, de lagosta e de camarão. A proibição de venda de artesanatos. Estas proibições estão restringindo apenas atividades típicas de comunidades pesqueiras, marisqueiras e coletoras da baía de todos os santos que possuem mar territorial pesqueiro no entorno da Ilha dos Frades.

São comunidades que podem estar com suas atividades básicas de subsistência cerceadas. Sem serem consultadas. Sem estudos técnicos. Os danos socioambientais podem ser imensuráveis e irreversíveis.

Ademais, analisando as demais previsões da legislação combatida, constata-se que, ao mesmo tempo em as atividades tradicionais de pesca e de coleta de mariscos estão proibidas, estão permitidas outras atividades em tese mais danosas.

Digo isto porque, de acordo com o mesmo §1º do art. 9º da lei questionada, estão permitidas atividades nocivas na ilha dos frades, sem estudo técnico, como: supressão de manguezais, construção de passarelas em manguezais, construção de barreiras na praia. são atividades com inegável potencial danoso.

E a legislação combatida permite também, em seu art. 9º, §2º, que, havendo regulação específica pelo município, possa haver na ilha dos frades: circulação de veículos motorizados e triciclos nas praias, instalação de toldos e palcos provisórios nas praias, supressão de vegetação de mangue, publicidade nas praias e promenades, além de criação de recifes artificiais com afundamento de destroços. Vejam, afundamentos de destroços. Triciclos na praia… a ilha dos Frades não está sendo protegida do ponto de vista ambiental com as mudanças promovidas. Não é o que me parece após analisar artigo por artigo que foi modificado.

Ademais, o §3º do art. 9 da lei 9.510/2020 disciplina ainda a possibilidade de ampliação e construção de novos píeres e rampas para embarcações no entorno da Ilha dos Frades.

Reafirmo aqui, que negar a liminar, neste caso concreto, é formar um precedente perigosíssimo deste tribunal para o meio ambiente equilibrado de salvador, e para a ordem urbanística de nossa capital”.

A ADI

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) é um tipo de ação judicial que permite ao Ministério Público, à Defensoria Pública, aos partidos políticos com representação no Congresso Nacional, e a entidades sindicais de classe com personalidade jurídica de direito público, questionarem a constitucionalidade de leis ou atos normativos editados por governos estaduais. Esta ação é julgada pelo Tribunal de Justiça do estado respectivo.

Baixe

Acordão do TJBA que julgou inconstitucional a Lei do Município de Salvador de nº 9.510/2020

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Sobre Carlos Augusto, diretor do Jornal Grande Bahia 10785 artigos
Carlos Augusto é Mestre em Ciências Sociais, na área de concentração da cultura, desigualdades e desenvolvimento, através do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS), da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB); Bacharel em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo pela Faculdade de Ensino Superior da Cidade de Feira de Santana (FAESF/UNEF) e Ex-aluno Especial do Programa de Doutorado em Sociologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Atua como jornalista e cientista social, é filiado à Federação Internacional de Jornalistas (FIJ, Reg. Nº 14.405), Federação Nacional de Jornalistas (FENAJ, Reg. Nº 4.518) e a Associação Bahiana de Imprensa (ABI Bahia), dirige e edita o Jornal Grande Bahia (JGB), além de atuar como venerável mestre da Augusta e Respeitável Loja Simbólica Maçônica ∴ Cavaleiros de York.

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