Guerra na Ucrânia evidencia nova conjuntura internacional, com maior protagonismo do Oriente

Com interesses econômicos em jogo e receio de abrir precedentes, o Brasil se absteve em votação sobre suspensão da Rússia do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Com interesses econômicos em jogo e receio de abrir precedentes, o Brasil se absteve em votação sobre suspensão da Rússia do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Com interesses econômicos em jogo e receio de abrir precedentes, o Brasil se absteve nesta quinta-feira (07/04/2022) na votação em que a Rússia foi suspensa do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Dos 193 membros da assembleia, 93 votaram a favor da suspensão, enquanto 24 votaram contra e 58 se abstiveram.

Dentre analistas consultados, ninguém acredita que uma punição no âmbito do Conselho de Direitos Humanos da ONU vá inibir a Rússia de continuar os ataques à Ucrânia. Por outro lado, o resultado da votação traz elementos novos para a avaliação do conflito, inclusive quando se analisa a posição de países que se abstiveram, como o Brasil e o México.

Para o analista internacional Gustavo Blum, especialista em geopolítica, a suspensão da Rússia do órgão pode ter um peso político importante mais à frente. “A decisão de retirar a Rússia do Conselho de Direitos Humanos é uma movimentação muito importante e talvez com consequências um pouco maiores do que aquelas que podem aparecer em primeira leitura”, afirma Blum. Ele lembra que esse órgão, ao contrário de outras estruturas da ONU, é recente, foi criado em 2006. O último país condenado foi a Líbia, em 2011, em um momento de guerra civil.

“É a primeira vez que o Conselho se encontra em um teste de tensionamento”, nota o especialista. “Esse movimento se deu com imagens, não relatórios, mas relatos sobre crimes contra a humanidade na região de Bucha”, acrescenta. Segundo Blum, “esse é um ponto importante, porque o Brasil demandou a conclusão da investigação antes de se pronunciar”, ou seja, que se termine a investigação. “É importante lembrar que o posicionamento típico do Brasil não é o de alinhamento automático com os Estados Unidos, ou com a Rússia, ou com nenhuma outra superpotência”, recorda o analista em geopolítica.

Em nota, o Itamaraty disse que a abstenção teve por objetivo evitar uma polarização e uma politização do conflito, o que poderia dificultar ainda mais o diálogo. A Rússia vinha elevando o tom, ao dizer que países poderiam sofrer consequências nas relações bilaterais e, no caso do Brasil, há especial interesse na área de fertilizantes e agrotóxicos importados de Moscou.

“Tem essa preocupação, principalmente de que esses precedentes utilizados hoje contra a Rússia em razão do conflito da Ucrânia não se abram e possam ser utilizados contra o Brasil em algum outro momento no futuro”, reporta Blum. “Por exemplo, quando a questão climática se torna uma coisa cada vez mais importante, pode ser utilizada contra o Brasil no futuro”, diz.

Novo jogo de forças

O mundo todo tem acompanhado imagens da tragédia na Ucrânia, bem como sentido de alguma forma o impacto das sanções econômicas impostas à Rússia, como o aumento nos preços dos combustíveis. Mas nada disso conseguiu frear os ataques das tropas de Vladimir Putin.

Para o economista e doutor em ciência política Ricardo Ubiraci Senner, diretor da Prospectiva PA, a guerra na Ucrânia não está inaugurando um novo patamar nas relações internacionais, mas reflete uma nova conjuntura, de um jogo de forças que agora tem no Oriente também um importante protagonista.

“A dinâmica internacional vem se alterando, e o grande deslocamento geopolítico que está em andamento já faz uma década e meia é com relação ao posicionamento da China”, observa Senner. “Não só como PIB, como capacidade econômica, mas como potência militar”, enfatiza. “É só ver o crescimento do orçamento militar chinês, que foi de longe o mais notável que a gente tem”, aponta.

Senner acredita que essa guerra antecipou alguns temas, como o questionamento do papel da Otan e algumas formas de pressionar países, como o uso do sistema swift de pagamentos, que em princípio não deveria ser usado em sanções. Na avaliação do economista, o conflito na Ucrânia não gerou uma nova fase nas relações internacionais, mas está inserido “numa mudança já em curso”.

Para ele, a dificuldade em se conseguir um cessar-fogo definitivo se insere nesse cenário em que a China ganha mais espaço. “Essa guerra e a forma pela qual tanto a Rússia se comportou quanto o Ocidente, em particular a Europa e a Otan, são sinais desse deslocamento. Eu acho que é um movimento menor em termos de causa e maior em termos de uma das primeiras consequências visíveis desse deslocamento do Ocidente para o Oriente, ou do Atlântico para o Pacífico”, disse Senner.

Para ele, a postura de países importantes no palco internacional, como Índia, Paquistão, África do Sul, México e agora também o Brasil, que se absteve na votação do Conselho de Direitos Humanos, mostra que há pressão vinda do Oriente e não apenas dos Estados Unidos. “O que é curioso, sintomático dessas votações, é a posição desses países que têm certa importância”, salienta. “Me parece que isso tem a ver com essa nova dinâmica das relações internacionais”, observa.

O analista pondera, no entanto, os efeitos práticos de decisões como essa no curto prazo. “Não me parece que o Putin esteja preocupado com isso nem a população russa”, opina. Os impactos da suspensão no conflito são muito baixos. “Pode ter consequências políticas futuras, mas sem peso para forçar um cessar-fogo”, avalia Senner.

*Com informações de Raquel Miura, da RFI.

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