Segurança jurídica nas decisões judiciais garante a democracia | Por Luiz Holanda

Sessão plenária do TSE presidida pelo ministro Edson Fachin.
Sessão plenária do TSE presidida pelo ministro Edson Fachin.

Sem dúvida que diante das mudanças ocorridas na sociedade, com repercussão no ordenamento jurídico e a consequente necessidade de atualização das decisões judiciais (jurisprudência), poderá ocorrer uma certa insegurança jurídica na aplicação do direito para atender as carências coletivas em razão dessas transformações.

Os fins sociais que a lei visa proteger sempre foram objeto de atualização histórica visando adaptar a interpretação da norma às exigências sociais do momento. A uniformidade das decisões judiciais e a segurança jurídica delas decorrente nos remete a uma visão social e normativa das múltiplas situações em que a jurisprudência é o instrumento basilar para o dinamismo social e jurídico.

As decisões do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Kassio Nunes Marques, suspendendo a cassação de dois deputados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), reacenderam essa delicada questão sobre a segurança jurídica nas decisões da mais alta Corte do país. E o problema que surge é se um ministro, monocraticamente, pode derrubar uma decisão do colegiado.

Ao livrar da cassação o deputado estadual Fernando Francischini (União Brasil-PR), acusado de disseminar críticas contra as urnas eletrônicas, o ministro Kassio Nunes Marques chamou a atenção para o fato de que essa cassação foi a primeira na história do TSE sobre a disseminação de fake news, um precedente considerado perigoso pelos aliados do parlamentar. Além da cassação, o deputado ficou inelegível pelo período de oito, anos, a contar da data das eleições de 2018. Nessa eleição, o parlamentar obteve 427.749 votos para a Assembleia Legislativa do Paraná.

Outro que foi beneficiado pela decisão do ministro foi o deputado federal por Sergipe José Valdevan de Jesus Santos, também conhecido como Valdevan Noventa (PL). A cassação deste ocorreu em consequência de uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral proposta pelo Ministério Público Eleitoral (MPE) daquele estado, versando sobre possível abuso de poder econômico ocorrido nas eleições de 2018. A decisão do Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe deu-se por unanimidade.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), também por unanimidade, manteve a decisão do TRE sergipano confirmando a cassação e a inelegibilidade do parlamentar. Com essa decisão, Nunes Marques contrariou uma decisão do colegiado que havia cassado o deputado Francischini por 6 votos a 1, e o deputado Valdevan por 7 x 0. Apesar da celeuma, não foi a primeira vez que um ministro do STF, monocraticamente, derruba um entendimento do plenário do TSE.

O ministro Alexandre de Moraes, por exemplo, revogou uma decisão da Corte ao cassar o então prefeito de Alto do Rodrigues (RN), Abelardo Rodrigues, e determinado a convocação de novas eleições. O caso, analisado por Moraes em 2018, era uma disputa em torno da aplicação retroativa da Lei da Ficha Limpa. Abelardo havia sido reeleito nas eleições de 2016, mas teve o registro da candidatura contestado pelo Ministério Público Eleitoral por estar enquadrado na Lei da Ficha Limpa, em virtude de uma condenação judicial por abuso de poder por atos praticados em 2008. Essa decisão foi revogada pela Primeira Turma do STF em 2019, por um placar de 3 a 2, confirmando a cassação do prefeito conforme determinado pelo TSE.

O ministro Dias Toffoli, em 2020, também concedeu uma liminar mantendo o deputado distrital, José Gomes (PP-DF), no cargo. A liminar derrubou o entendimento do TSE que, por 7 votos a 1, havia cassado o parlamentar e declarado sua inegabilidade por oito anos por abuso de poder econômico na campanha de 2018. Uma investigação mostrou que o parlamentar, que é empresário, ameaçou demitir os empregados de sua empresa caso não votassem nele.

Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes já revogaram os efeitos de julgamentos do colegiado que levaram à cassação imediata de governadores. A decisão de Lewandowski suspendeu a realização de novas eleições no Amazonas, após o plenário do TSE ter cassado o então governador José Melo e seu vice pela prática de compra de votos. Essa decisão acabou suspensa pelo então ministro e decano da corte, Celso de Mello, que ressuscitou o entendimento do TSE.

Em um caso semelhante, ocorrido em 2018, o ministro Gilmar Mendes, monocraticamente, suspendeu a decisão do TSE que havia cassado o então governador do Tocantins, Marcelo Miranda, por abuso de poder econômico e determinado a convocação imediata de novas eleições. Tanto Lewandowski quanto Gilmar Mendes entenderam que os eleitores deveriam retornar às urnas após a publicação do acórdão do julgamento dos recursos dos governadores, e não imediatamente, como havia sido determinado pelo TSE.

Alguns juristas entendem que essas decisões monocráticas contribuem para a instabilidade da jurisprudência gerando insegurança jurídica, além de desgastar a reputação do tribunal, pois decisões que   revertem uma decisão unânime de outro tribunal superior, como o TSE, deveria ser tomado pelo colegiado da Corte, e não por um ministro, isoladamente. Isso evitaria tantos ataques dirigidos contra a cúpula do Judiciário.

Segundo o ministro Luiz Fux, os ataques contra o Supremo Tribunal Federal constituem práticas antidemocráticas e ilícitas, e que o desrespeito a decisões do STF são crime de responsabilidade e que a Corte “se manterá de pé, com suor e perseverança”. A insegurança jurídica afeta a democracia e a Independência dos poderes. A frase latina referente à República bem que poderia ser utilizada pelos defensores da democracia: “Demos Gracia interest quam plurium ad referendo suam cause”, ou seja, “interessa à Democracia que sejam muitos os defensores de sua causa”.

*Luiz Holanda é advogado e professor universitário.

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Sobre Luiz Holanda 476 artigos
Luiz Holanda é advogado e professor universitário, possui especialização em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (SP); Comércio Exterior pela Faculdades Metropolitanas Unidas de São Paulo; Direito Comercial pela Universidade Católica de São Paulo; Comunicações Verbais pelo Instituto Melantonio de São Paulo; é professor de Direito Constitucional, Ciências Políticas, Direitos Humanos e Ética na Faculdade de Direito da UCSAL na Bahia; e é Conselheiro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/BA. Atuou como advogado dos Banco Safra E Econômico, presidiu a Transur, foi diretor comercial da Limpurb, superintendente da LBA na Bahia, superintendente parlamentar da Assembleia Legislativa da Bahia, e diretor administrativo da Sudic Bahia.