Entrevista exclusiva concedida por escrito pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, à Gazzetta dello Sport, da Itália

Publicada em 12 de novembro de 2009

Jornalista: O Presidente teve algum trunfo final, algum detalhe que na época não podia ser divulgado, que ajudou o Rio ganhar a Olimpíada? Conte-nos alguma história de bastidores em Copenhague que naquele momento não pudesse ser contada.

Presidente: Vitórias como a obtida pelo Brasil em Copenhague, ainda mais diante da grande expectativa da mídia internacional de que haveria uma disputa muito apertada em termos de votos, costumam gerar grande curiosidade sobre trunfos secretos ou detalhes de bastidores que possam ter influído no resultado. Sinto desapontá-lo, não houve trunfos secretos, mas na campanha do Rio o que houve foi um trabalho duro de todos os envolvidos, no Comitê Olímpico Brasileiro, no Governo do Rio, na Prefeitura do Rio e no Governo Federal. Construímos uma candidatura competente em um período de dois anos até a decisão em Copenhague. Tenho muito orgulho de ter dado minha contribuição a esse trabalho de equipe, de união.

O que fizemos em Copenhague foi manter o rumo, e trabalhar muito, em busca de cada voto, seja para a primeira rodada, que era crucial, mas também para as seguintes, levando em conta os diferentes cenários. Eu, pessoalmente, cheguei à cidade na tarde do dia 30 de setembro, e devo ter conversado com cerca de 30 votantes no dia 1º, data que antecedia a votação. Com muitos deles, não era a primeira vez que conversava, já que em minhas viagens pelo mundo nos últimos meses tive contato com muitos integrantes da família olímpica. Era muito importante também a apresentação da candidatura do Rio, e cada um de nós fez o melhor que podia em termos de preparação para aquele momento no Bella Center. Ali, na minha opinião, qualquer dúvida que ainda pudesse existir sobre a nossa vontade e a nossa competência para organizar os Jogos de 2016 foi afastada.

Jornalista: Quando teve certeza de que o Rio ganharia a eleição para a Olimpíada? É verdade que o presidente estava no hotel e foi chamado para acompanhar o resultado final? Naquela ocasião já sabia da vitória por antecipação?

Presidente: Certeza mesmo, só quando o Presidente Jacques Rogge abriu aquele envelope e anunciou o nome do Rio de Janeiro. Antes disso, no intervalo entre a segunda rodada e o anúncio, havia muita expectativa, a repercussão da nossa apresentação foi bastante positiva, mas não era possível ter nenhuma certeza. Tanto que a pressão do Governador Sérgio Cabral chegou a 16/10 logo depois que soubemos que o Rio e Madri haviam ficado para a última rodada. A decisão de ir aconteceu nesse quadro de incerteza, alguns assessores me disseram que os companheiros que estavam no Bella Center durante a votação tinham uma sensação boa quanto às nossas chances, mas nenhuma informação concreta sobre o resultado. Como teríamos que esperar no hotel – onde acompanhamos as duas primeiras rodadas, pela TV – uma hora até o início da cerimônia, achei melhor acompanhar ao vivo. Era um risco, mas achei que era também a melhor forma de driblar a ansiedade e de compartilhar o momento com todos os que se empenharam tanto pela candidatura do Rio. Quando a atleta dinamarquesa levou o envelope naquela bandeja para o Presidente Rogge, a ansiedade chegou ao limite e, felizmente, explodiu em alegria momentos depois. Vivi naquela hora, no Bella Center um dos momentos mais felizes e mais emocionantes da minha vida.

Jornalista: Pouco depois da eleição do Rio-2106 saiu publicado na imprensa brasileira que o presidente se candidataria em 2014 para um terceiro mandato não consecutivo, sonhando em abrir a Olimpíada de 2016. É verdade?

Presidente: A mesma pergunta me foi feita durante a entrevista coletiva da cidade vencedora, em Copenhague, e repetirei a resposta: na minha idade, a gente não pensa assim tão longe, projeta o futuro no máximo até o ano seguinte. E todas as minhas energias estão voltadas para que até a conclusão do meu mandato, no final de 2010, o País continue avançando em matéria de desenvolvimento econômico e social e na superação das desigualdades, com a continuidade de um processo que já tirou 30 milhões de brasileiros da pobreza e que incorporou 21 milhões deles à nova classe média. Quanto ao futuro distante, minha ambição é a de chegar com saúde a 2014 e a 2016. Quero aproveitar ao máximo, como torcedor, a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas no Brasil.

Jornalista: O Brasil veria com simpatia uma candidatura italiana à organização da Olimpíada de 2020? Na Itália há três cidades pré-candidatas à Olimpíada 2020: Roma, Veneza e Palermo. Já existem disputas internas. O que fazer nesses casos para evitar brigas?

Presidente: Qualquer pleito italiano é visto com simpatia no Brasil, com exceção do desejo de ser campeão mundial de futebol, já que aí disputamos historicamente com a Itália o privilégio de levantar a taça da FIFA a cada quatro anos. No entanto, ainda é difícil falar sobre 2020, ainda estamos vivendo a alegria da vitória do Rio e, além disso, o quadro de candidaturas ainda demorará vários meses para ficar claro.
Se o processo de disputa interna for bem conduzido, não vejo maiores dificuldades. O que posso dizer é que a união foi absolutamente essencial para a nossa vitória.

Jornalista: Fazer o Mundial em 2014 e a Olimpíada em 2016 é uma carga muito grande para o Brasil? Ajuda ou atrapalha? Como organizar bem os dois eventos e ao mesmo tempo não endividar-se em demasia e não descobrir outras áreas, como educação e saúde?

Presidente: Essa preocupação surgiu na reta final da campanha, e foi respondida de forma adequada e convincente pela história – México, Alemanha e EUA já haviam organizado os dois eventos no mesmo intervalo – e principalmente pelas dimensões e pela vitalidade da economia brasileira. A resposta é clara: o que você chama de carga não é muito grande para o Brasil. Na verdade, ela ajuda, abre oportunidades de investimentos públicos e privados que são muito importantes para o futuro e que servirão aos dois eventos. As obras de infra-estrutura no Rio e de reforma do Maracanã, bem como os investimentos privados em áreas como a de hotelaria e de serviços, já previstos para a Copa de 2014, serão muito bem aproveitadas dois anos depois, por ocasião dos Jogos.
O Brasil tem uma economia suficientemente grande e sólida para investir na organização dos dois eventos e no seu legado, que será fundamental para o Rio de Janeiro, sem prejudicar outras áreas prioritárias para a população. Muitas das obras previstas na cidade já faziam parte do conjunto de projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que investirá em todo o País US$ 240 bilhões nos próximos anos. Além disso, no caso do Rio, os investimentos em transportes, em revitalização de áreas públicas e em segurança acabarão tendo impacto muito positivo na qualidade de vida dos moradores da cidade.

Jornalista: O Brasil tem condições de tornar-se potência olímpica até 2016?

Presidente: Já começamos a trabalhar na massificação esportiva e vamos traçar programas e metas claras para os próximos sete anos. Tornar-se potência olímpica é um grande desafio que se abre com os Jogos de 2016 no Rio. Avançamos nos últimos anos, mas acredito que temos condições de melhorar muito nosso desempenho esportivo, com base em um trabalho de planejamento sério para buscar e desenvolver talentos. Afinal, um dos pontos fortes de sediar os Jogos Olímpicos, em termos de transformação social, é o de motivar a juventude a praticar esportes.

Jornalista: Nas vezes em que se encontrou com Silvio Berlusconi conversaram também sobre futebol, Milan e sobre os brasileiros que jogam pelo clube? Alguma história interessante sobre isso?

Presidente: Berlusconi sabe que sou fanático por futebol, como ele, e me fez uma enorme gentileza quando da minha visita bilateral à Itália, em novembro do ano passado: convidou os jogadores brasileiros do Milan, e o Leonardo, que era dirigente e agora é o técnico, para me receberem antes do encontro que mantivemos em Roma.
Lembro com muita alegria daquele momento, foi um bonito gesto de Berlusconi.

Jornalista: O que acha dos jogadores brasileiros que estão no futebol italiano?

Presidente: O calcio tem o privilégio de contar com alguns dos melhores jogadores brasileiros na atualidade, e tem sido assim ao longo das últimas décadas.
Infelizmente nossos jogadores deixam o Brasil cada vez mais jovens, e isso me preocupa, mas boa parte do que há de melhor no futebol brasileiro está na Itália. Dos atuais titulares da seleção brasileira, quatro dos cinco defensores jogam no calcio (Julio César, Maicon, Lucio e Juan), sem falar no Filipe Melo e no Kaká, que acaba de se transferir para a Espanha, além de outros convocados, como Doni, que estava contundido e acaba de voltar, e o Julio Baptista. E ainda temos o Diego, que está jogando muito bem no Juventus, e o Ronaldinho Gaúcho, que ainda pode ser uma grande arma para o Mundial de 2010.

Jornalista: Ronaldinho Gaúcho recupera seu futebol a tempo de disputar a Copa de 2010?

Presidente: Eu e os brasileiros torcemos muito por isso. O começo de temporada dele e do Milan não foram bons, mas ainda há tempo até a África do Sul. Se ele se esforçar e estiver disposto a sacrificar-se por esse objetivo, ainda acredito que o Dunga terá à sua disposição a melhor versão do Ronaldinho Gaúcho. Mas, para isso, ele tem que querer muito voltar ao nível de antes. A magia do futebol não o abandonou, torço muito por esse reencontro.

Jornalista: Numa entrevista ao “Expresso” o presidente disse que preferia Ronaldo a Adriano na seleção, não? Acha que o Ronaldo vai jogar a Copa na África do Sul?

Presidente: Ronaldão joga no meu time, o Corinthians, é natural que tenha muito carinho por ele. Mas, para mim, o caso dele é o mesmo que o do Ronaldinho Gaúcho: para ir à África do Sul, precisa estar em forma.

Jornalista: O presidente vê o campeonato italiano pela TV?

Presidente: Meus finais de semana livres são dedicados à família, à pescaria e ao futebol pela TV, já que há pouco tempo deixei de praticá-lo, para não correr o risco de lesões que atrapalhassem minha atividade como Presidente. E, em matéria de futebol pela TV, o Campeonato Italiano está sempre entre as principais atrações do fim-de-semana. É claro que minha prioridade é o Campeonato Brasileiro e o Corinthians, mas como os jogos na Itália são transmitidos de manhã ou no início da tarde aqui, é possível conciliar os horários.

Jornalista: O que acha do futebol do Pato?

Presidente: Pato surgiu como uma grande promessa no Internacional de Porto Alegre e, pela sua idade, já demonstrou no Milan que pode estar à altura das expectativas e esperanças criadas em torno dele. É rápido, talentoso, sabe finalizar. Mas essa fase na vida do atleta, da transição entre ser uma jovem promessa e uma realidade, tem muitos perigos. A fama repentina, por exemplo, pode ser muito traiçoeira. Como ele ainda é muito jovem, é preciso ter paciência mas também exigir muito dele, para evitar outro perigo, o da acomodação.

Jornalista: O presidente é torcedor de algum clube na Itália? Aqui no Brasil o Corinthians é seu primeiro time, mas em outros estados há também preferência pelo Vasco, no Rio; Cruzeiro, em Minas; Sport Recife, em Pernambuco, certo? Algum mais?

Presidente: Em Pernambuco, sou torcedor do Náutico, e não do Sport. Também torço pelo Internacional, no Rio Grande do Sul. E na Itália o meu time favorito é o Milan. Mas paixão mesmo, é pelo Corinthians.

Jornalista: Quando vibrou mais com uma conquista esportiva?

Presidente: Acho que vibrei mais em Copenhague, com a decisão sobre os Jogos Olímpicos, porque era como se eu mesmo estivesse dentro de campo, com a camisa amarela do Brasil. Mas tenho outras lindas lembranças de conquistas esportivas, como as Copas do Mundo vencidas pelo Brasil, as conquistas olímpicas do voleibol e as muitas alegrias que o Corinthians me dá. Na minha infância e adolescência era difícil, porque o Santos de Pelé dominava o futebol brasileiro, mas em 1977 soltamos o grito de campeão, quando o Corinthians quebrou um jejum de 22 anos sem ganhar títulos, e de lá para cá não posso me queixar. Este ano, por exemplo, já fomos campeões paulistas e da Copa do Brasil.

Jornalista: Quem é o melhor jogador brasileiro de futebol da atualidade?

Presidente: Kaká.

Jornalista: E o melhor do mundo hoje?

Presidente: Lionel Messi.

Jornalista: E o melhor atleta brasileiro de todos os outros esportes hoje em dia?

Presidente: César Cielo, que foi uma das sensações do recente Mundial de Esportes Aquáticos, em Roma.

Jornalista: Quem foi o melhor jogador de futebol de todos os tempos que o presidente viu jogar?
Presidente: Pelé, o Rei.

Jornalista: O presidente vai viajar para ver a Copa do Mundo na África do Sul em 2010?

Presidente: Na época do Mundial, é provável que eu esteja em viagem à África, quem sabe…

Jornalista: Quem são os favoritos para a Copa 2010? A Itália tem alguma chance?

Presidente: Das equipes já classificadas, os favoritos são os de sempre, as equipes tradicionais no futebol mundial, como Brasil, Argentina, Itália, Alemanha, Inglaterra, e ainda a Espanha, que joga muito bem, tem uma equipe jovem e que resgatou a autoconfiança depois da conquista da última Eurocopa. A Itália não teve um bom desempenho na última Copa das Confederações, terá que passar nos próximos anos por um processo de renovação, mas tem grandes jogadores, sabe jogar como poucas um Mundial e é sempre candidata ao título.

Jornalista: O que acha do trabalho de Dunga na Seleção Brasileira?

Presidente: Dunga está fazendo um ótimo trabalho, não apenas pelos resultados, mas porque conseguiu resgatar o compromisso dos jogadores com a seleção brasileira, a vontade de jogar pelo Brasil. A seleção da Copa de 2006 não teve esse compromisso, infelizmente, e provou que somente com técnica e com talentos individuais não se conquista nada no futebol atual. Ele tem uma atitude coerente com seu passado de jogador dedicado, altamente profissional, que deixava a alma no campo em favor da sua equipe. Mostrou que entende de futebol, tanto nas convocações quanto na preparação da equipe e nas substituições que faz durante os jogos. Além disso, é respeitado pelo exemplo, conta na sua equipe com outro ex-jogador muito respeitado, Jorginho, e teve o mérito e a felicidade de conseguir bons resultados.

Jornalista: O presidente poderia escalar o seu time ideal para a Seleção Brasileira?

Presidente: Acho que a equipe do Dunga reúne o que temos de melhor no momento. A base do time, para mim, deve ser a que jogou e venceu a última Copa das Confederações, na África do Sul, ainda que nos meses que faltam até o Mundial possa surgir algum novo talento, alguém em ótima fase ou que alguma contusão obrigue o Dunga a fazer mudanças.

Cada um de nós brasileiros acha que é treinador e sempre tem algum palpite, ou algum jogador favorito que gostaria que estivesse no time. Também sou assim, mas como Presidente minhas opiniões pessoais podem acabar gerando desconforto. Além disso, sempre me lembro de um episódio na época da preparação para a Copa de 1970, quando vivíamos na ditadura militar e o então Presidente insistiu pela imprensa no nome de um jogador para o time titular.

O então treinador, João Saldanha, um homem de esquerda e de grande coragem pessoal, respondeu que ele não se intrometia na composição do Ministério do Presidente militar de turno, e que portanto não aceitava palpites na escalação do time dele. Saldanha não chegou à Copa, mas eu costumo lembrar o episódio quando tenho muita vontade de opinar sobre o futebol, que para mim é uma paixão. Por isso, muitas vezes me contenho, nem sempre consigo, mas eu tento. Por isso, guardo meu time para as conversas com os amigos, e confio no trabalho do Dunga, do Jorginho e dos jogadores convocados.

Agora, se você quiser uma seleção com os melhores de todos os tempos, com as camisetas de números 1 a 11 e um esquema tático ofensivo, como os que se adotavam antigamente, posso montar o seguinte time: 1- Julio César, 2- Carlos Alberto, 3- Lúcio, 4- Piazza, 5- Falcão, 6- Nilton Santos, 7- Garrincha, 8- Didi, 9- Ronaldo, 10- Pelé, 11- Rivelino.

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