Na busca de uma solução mais equânime para os litígios, o magistrado, no direito brasileiro, pode utilizar vários meios de interpretação das leis, sendo-lhe conferidos, inclusive, maiores poderes decisórios nas soluções dos conflitos (art. 4º, Lei de Introdução às Normas do Direito brasileiro). Esses poderes, na maioria dos casos, ultrapassam as determinações legais, fazendo-nos indagar qual seria o limite do poder do magistrado na busca da qualificada prestação jurisdicional.
A decisão do TSE, que, em apenas um minuto, cassou, por 7 votos a O, o mandato do deputado federal Deltan Dallagnol, é um desses casos. Não só causou estupefação no mundo jurídico como, também, na sociedade, tanto pela rapidez do julgamento como pelo seu resultado: a cassação do mando do deputado.
A indagação se refere à distinção entre os tipos de interpretação das leis, se jurídica proativa ou ativista judicial. A primeira é um dever do magistrado, quando, primando pelo bom andamento do processo, garante ao réu o contraditório, a ampla defesa, duração razoável do processo, boa-fé processual e eficiência, entre outros. Já o ativismo judicial configura-se como uma teratologia processual, uma inconstitucionalidade flagrante, pois, através dele, o magistrado acaba por legislar no caso concreto, assumindo a função do legislador.
Para alguns juristas, esse teria sido o caso da decisão do TSE no julgamento da ação proposta pelo PT para declarar a inelegibilidade do deputado Deltan Dallagnol. Segundo a alínea “q” do art. 1º da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 64, de 18 de Maio de 1990): “São inelegíveis…os magistrados e membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar…pelo prazo de 8 (oito) anos”.
O TSE entendeu que o deputado se enquadra nessa alínea “q”: membro do Ministério Público que tenha pedido exoneração na pendência de processo administrativo disciplinar. Outros juristas alegam que no momento em que o deputado pediu exoneração do cargo não pendia contra ele um só processo disciplinar, mas sim 15 queixas, representações e/ou petições de conteúdo congênere que poderiam, nos 6 meses seguintes, caso não houvesse a exoneração, se transformar em Processo Administrativo Disciplinar (PAD). Se isso acontecesse, o deputado estaria inelegível.
Esse foi o entendimento do TSE, conforme interpretação subjetiva dos seus magistrados, pois, de acordo com o artigo 23 da Lei da Ficha Limpa, o arbítrio subjetivo dos magistrados permite que eles decidam por convicção própria, com base na suspeição, e não nas provas produzidas: Artigo 23 – “O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral”.
Os magistrados entenderam que o procurador antecipou em muitos meses seu pedido de exoneração a fim de impossibilitar que a Justiça Eleitoral instaurasse processos administrativos (PAD) contra ele, em consequências das 15 queixas e reclamações. Alguns juristas enxergam, nessa decisão, que os magistrados interpretaram a lei muito subjetivamente, com base apenas num entendimento pessoal, sem que exista nos autos qualquer prova que possa permitir a criação de um PAD contra o deputado.
Observe-se que no Direito Penal nem a confissão espontânea do acusado é suficiente para condená-lo, caso não esteja acompanhada de provas válidas, robustas e insofismáveis. Prova precária para tornar a confissão relevante não serve. Daí se entender que o artigo 23 da Lei da Ficha Limpa é inconstitucional. Agora só resta ao deputado recorrer para o STF e esperar que este invalide o julgamento do TSE ou declare o citado art. 23 inconstitucional, o que, nas atuais circunstâncias, é muito difícil.
Luiz Holanda é advogado e professor universitário.
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